Espacios. Vol. 35 (Nº 7) Año 2014. Pág. 17


Uma Proposta de Integração entre a Abordagem Kaleckiana da Distribuição Setorial Funcional da Renda e a Teoria Schumpeteriana do Processo de Concorrência

A Proposal of Integration between the Kaleckian Approach of the Sectoral Functional Income Distribution and the Schumpeterian Theory of the Competition Process

Tatiana Massaroli MELO 1

Recibido: 28/04/14 • Aprobado: 14/06/14


Contenido

RESUMO:
Este artigo utiliza um referencial teórico schumpeteriano e kaleckiano para analisar os efeitos dinâmicos das inovações sobre a competitividade e a distribuição setorial funcional da renda. Ao afetar o mark-up e o poder de mercado as inovações bem sucedidas permitem a ampliação das assimetrias entre as firmas, intensificando a concorrência e promovendo desajustes na distribuição da renda setorial entre salários e lucros.
Palavras-chaves: Distribuição setorial funcional da renda; Processo de concorrência; Inovação.

ABSTRACT:
This paper uses a theoretical schumpeterian and kaleckian to analyze the dynamic effects of innovation on competitiveness and sectoral functional income distribution. By affecting the mark-up and market power successful innovations allow the expansion of the asymmetries between firms, intensifying competition and promoting mismatches in sectoral income distribution between wages and profits.
Keywords: Sectoral functional income distribution; Competition process; Innovation.


1. Introdução

Este artigo é definido a partir de um referencial teórico schumpeteriano e kaleckiano para analisar os efeitos dinâmicos das inovações sobre a competitividade e a distribuição funcional da renda - distribuição entre salários e lucros - no nível setorial. A compreensão adequada destes efeitos é realizada a partir do reconhecimento dos determinantes da inovação endógenos ao processo competitivo e ao acúmulo de conhecimento dentro da firma, o qual é expresso em rotinas que direcionam parcialmente o processo de busca tecnológica para a solução de problemas específicos (Dosi, 1988; Nelson e Winter, 1982). Os processos de busca, dirigidos pelas rotinas da firma ou modificadores de rotinas, têm como conseqüência o reforço da posição oligopolística da firma, traduzida em aumento do mark up desejado e do market share.

O processo de criação de assimetrias tecnológicas, caracterizado por mudanças nas rotinas de busca tecnológica e motivado pela apropriação de lucros extraordinários, é determinado tanto pelo conhecimento acumulado dentro das organizações quanto por sua capacidade de absorver conhecimento externo. Neste processo de geração de diversidade, a firma deve ser analisada como um agente ativo cujo objetivo é alterar seu ambiente de atuação obtendo algum benefício econômico e, dessa forma, o processo de diferenciação tecnológica entre as empresas co-evolui com as indústrias afetadas pela inovação.

As vantagens competitivas que derivam desta busca por diferenciação dependem do grau de apropriabilidade privada do progresso técnico e da capacidade do esforço inovativo de reforçar a posição oligopolística das empresas. A tendência do processo competitivo baseado em geração de diversidade tecnológica é a alteração na distribuição funcional da renda no âmbito setorial, ampliando a participação dos lucros na renda gerada sem comprometer a coordenação do oligopólio.

Além desta introdução, o artigo está dividido em três seções. A primeira tem o propósito de analisar a concorrência capitalista como um processo dinâmico e dependente da introdução de assimetrias tecnológicas. O enfoque desta seção está nos determinantes da inovação, endógenos ao acúmulo de conhecimento tecnológico dentro da firma e ao processo competitivo, e no uso de inovações de produto e processo para obtenção de vantagens competitivas. A segunda seção analisa o ciclo de vida do produto e as vantagens competitivas que derivam do aproveitamento de oportunidades tecnológicas em cada fase do processo evolutivo da tecnologia. Na terceira seção é estudada a relação entre distribuição de renda no nível da firma e o processo de fixação de preços e do nível de produção, com base na abordagem kaleckiana. O objetivo desta seção é compreender as mudanças na distribuição setorial funcional da renda, causadas por alterações no grau de monopólio da firma derivadas da dinâmica do processo competitivo conduzido pela atividade inovativa.

2. Concorrência capitalista e inovação tecnológica

A análise da concorrência capitalista como um processo evolutivo, dinâmico e gerador de diversidade parte do reconhecimento de determinantes da inovação endógenos ao processo competitivo e ao acúmulo de conhecimento tecnológico pela firma. Dessa forma, a abordagem estática tradicional, segundo a qual a empresa é um agente passivo e suas estratégias são meramente reativas, deve ser substituída por uma teoria microdinâmica, seguindo a abordagem schumpeteriana, na qual as estratégias dos agentes econômicos são voltadas deliberadamente para a modificação de seu ambiente de atuação. O que move o sistema capitalista é a busca por lucros extraordinários e, aliada a isso, a necessidade de diferenciação constante entre as empresas. O processo de inovação é o instrumento utilizado pela empresa capitalista para gerar assimetrias e, dessa forma, o que confere dinâmica ao sistema capitalista é a reprodução de tais assimetrias, e não qualquer tendência em direção a um ponto de equilíbrio.

Neste contexto, a análise da concorrência capitalista é desenvolvida pela abordagem evolucionista em oposição à abordagem estruturalista. Na visão evolucionista, a dinâmica da competição e a mudança técnica que emerge deste processo somente são observadas sob uma perspectiva temporal e, portanto, não podem ser teoricamente tratadas a partir de um exercício de estática comparativa ou mesmo como uma questão de ajustamento envolvendo a livre mobilidade de capital. De acordo com Kupfer (1996: 7), a abordagem estruturalista tradicional do processo de concorrência não é capaz de explicar como a competitividade de uma empresa evolui ao longo do tempo, pois procura relacionar competitividade a desempenho, em termos de variáveis ex-post, como lucratividade e relação preço-custo. Portanto, este tipo de enfoque analítico padece dos mesmos problemas associados à abordagem neoclássica da concorrência, privilegiando o tratamento estático em detrimento de uma análise dinâmica voltada para a compreensão da concorrência como um processo dependente do tempo.

A maior complexidade do enfoque dinâmico, baseado na abordagem evolucionista, está principalmente no tratamento dado à geração de variedade entre os atores econômicos ao longo do processo competitivo. As abordagens tradicionais (estruturalista e neoclássica), ao contrário, não destacam a importância da emergência desta variedade, expressa em termos de rendas diferenciais, por meio da imposição de limitações irrealistas ao seu próprio objeto de estudo: a concorrência. Restrições impostas à tomada de decisão dos atores econômicos, como o pressuposto de racionalidade substantiva, e a persistente tentativa de encontrar resultados que convergem para uma posição de equilíbrio, tornam as conclusões obtidas por meio de análises estáticas não apenas insuficientes, mas mal-sucedidas no tratamento analítico do processo competitivo. Para Arthur (2005), "Equilíbrio em economia é capaz de identificar padrões consistentes, mas não é capaz de informar como uma escolha é feita." (2)

A abordagem estruturalista parte do princípio que as estruturas de mercado são dadas e, portanto, devem ser analisadas como variáveis exógenas no estudo da concorrência capitalista. No entanto, para a abordagem evolucionista, as mudanças nas estruturas de mercado resultam de inovações, técnicas e organizacionais, expressando a dinâmica da concorrência ao longo do tempo e, portanto, a geração de progresso técnico. De acordo com Dosi e Orsenigo (1988), alterações nas estruturas de mercado são o resultado não intencional das interações entre agentes econômicos heterogêneos, caracterizados por diferentes competências técnicas, crenças e expectativas. Em tais circunstâncias, os agentes econômicos são incapazes de aplicar procedimentos que permitam maximizar suas escolhas, em virtude da incerteza com relação aos resultados de suas ações e do gap cognitivo que norteia a tomada de decisão. Esta questão é explorada em Arthur (2005, p. 6): "Em casos como este, os agentes tentam prever qual será o resultado; mas são suas ações baseadas nas previsões que determinam este resultado.".

Sob condição de mudança técnica as escolhas dos agentes estão sujeitas à incerteza forte e capacidade limitada de processamento das informações disponíveis, elementos que não são incorporados no desenvolvimento da teoria estruturalista.

A abordagem estruturalista corretamente atribui às barreiras à entrada as características predominantes da concorrência dentro de uma dada estrutura de mercado, porém falha ao deduzir resultados dinâmicos a partir da associação entre condições de entrada e mobilidade do capital. Segundo Possas (1989), é necessário rejeitar qualquer identificação entre concorrência e mobilidade do capital quando o propósito é investigar a dinâmica da concorrência capitalista, do contrário a concorrência será tratada como um processo de ajuste e difusão, dando-lhe uma conotação equivocadamente estática e minimizando, portanto, a importância da diversidade, sobretudo especificidades individuais e setoriais, que emergem ao longo deste processo. A conseqüência de uma análise estática da concorrência nos moldes propostos acima é que a estabilidade de uma dada estrutura de mercado, marcada pela presença de fortes barreiras à entrada, leva à falsa conclusão de perda do dinamismo das empresas dentro desta indústria, fruto da menor intensidade da concorrência. Para o autor, esta conclusão ignora a trajetória de expansão da grande empresa capitalista, a qual tem demonstrado capacidade de alterar não apenas as estruturas dos mercados em que atua, mas também as estratégias competitivas disponíveis, conferindo-lhe maior flexibilidade para responder às mudanças das condições de mercado. As estratégias monopolísticas adotadas pelas empresas no sistema capitalista são, nas palavras de Schumpeter "(...) incidentes, frequentemente incidentes inevitáveis, de um processo de expansão de longo prazo o qual elas protegem mais do que impedem" (3)

A análise do processo de tomada de decisão empresarial, a partir da evolução das estratégias adotadas pelos atores econômicos, revela a importância da história para compreender a dinâmica da competição. Em Kupfer (1996), o processo concorrencial deve ser tratado a partir de variáveis path dependent e, portanto, a história deve ser incorporada à análise, tanto em termos de passado, devido à natureza cumulativa das variáveis analisadas, quanto em termos de futuro, dadas as condições de incerteza do processo decisório, o que não permite tratar o futuro a partir de sequências lógicas de tempo. A relevância do conjunto de variáveis path dependent para a compreensão da dinâmica competitiva é dada pelo caráter idiossincrático da tecnologia, revelando a tendência ao reforço das assimetrias entre os atores econômicos e, portanto, à manutenção de rendas diferenciais ao longo do processo de competição. Para o autor, "Os diferenciais de inovatividade e a não-instantaneidade da difusão geram vantagens competitivas que são a fonte do lucro capitalista. As vantagens competitivas, por sua vez, reforçam ou reformulam as assimetrias pré-existentes, dando margem a um processo concorrencial em desequilíbrio mas não por isso caótico." (4) No mesmo sentido, em Dosi (1988), quanto maior o nível de inovatividade das firmas maior a probabilidade desta manter ou aumentar seus níveis de competitividade.

O conhecimento tecnológico acumulado dentro das unidades intensivas em inovação lhes permite alterar as condições de apropriabilidade privada dos benefícios econômicos do progresso técnico, bem como a participação dos lucros na renda gerada dentro da firma. Neste contexto, a inovação funciona como mecanismo dinamizador do processo de concorrência, conferindo à empresa a capacidade de modificar seu ambiente de atuação e, com isso, as condições de concorrência. Aumenta-se, portanto, a complexidade da análise da competição, pois ao incluir a inovação como elemento fundamental deste processo, a empresa deixa de ser idealizada como um agente meramente reativo às mudanças das estruturas de mercado; ao contrário, ela é reconhecida como um ator capaz de alterar as estruturas por meio de estratégias inovativas voltadas para a ampliação do mark up e da participação dos lucros na renda gerada.

Segundo a abordagem evolucionária neo-schumpeteriana, introduzida na literatura econômica por Nelson e Winter (1982), os elementos fundamentais da dinâmica capitalista, tais como o caráter irregular do avanço técnico e a diversidade de características e estratégias das firmas, são vistos pela teoria econômica tradicional como fatores de ocorrência esporádica e, portanto, possuiriam pouca relevância para a análise do processo de competição. Tal suposição permitiria o tratamento da concorrência como um processo estático, passivo e naturalmente ajustável por meio da eliminação das diferenças. Para Possas (1996), a abordagem evolucionária, por sua vez, confere maior realismo ao estudo da competição ao incorporar os elementos característicos da dinâmica capitalista, tratando a concorrência como um processo gerador de constante diversidade, tendo no mercado o seu locus por excelência, passando a ser analisado como instrumento de evolução, e não mais de ajuste ao equilíbrio, em virtude da sua capacidade de selecionar as inovações criadas pela competição. De acordo com o autor, a abordagem neo-schumpeteriana consegue fornecer explicações condizentes com a dinâmica real da concorrência, dada a sua capacidade de avaliar o mercado pela extensão e qualidade com que possibilita o desenvolvimento do processo competitivo, contrariamente à abordagem ortodoxa, cuja análise é feita com base em elementos distantes do funcionamento real do mercado, tais como o atomismo dos agentes, a redução das desigualdades e o nivelamento de diferenças.

A crescente necessidade de diferenciação entre os agentes nos sistemas capitalistas modernos aproxima os conceitos de monopólio e competição de forma tal que em Schumpeter (1943) as características do monopólio expressam o sentido da concorrência. A concorrência que desperta algum interesse analítico é a concorrência por novos espaços econômicos, por novas tecnologias e novas fontes de oferta. Dessa forma, a busca por novidades ou inovações visando o lucro anormal – de monopólio temporário - é o objetivo do capitalista e, portanto, constitui o motor da concorrência. Em Schumpeter: "A primeira coisa que faz uma empresa moderna, logo que sente poder sustentá-lo, é estabelecer um departamento de pesquisa no qual todos os membros sabem que seu pão de cada dia depende de seu êxito em inventar melhorias." (5) Neste sentido, qualquer agente que introduza algo novo no mercado, concorrendo ainda que indiretamente com os produtos e processos existentes, é um monopolista. Para Possas (1999), a concorrência, analisada como a defrontação de capitais em que nem todos são selecionados pelo mercado, torna o monopólio elemento criado pelo processo de destruição criativa marcado pela expansão de assimetrias na busca de lucros anormais.

Dentro do ambiente competitivo, a busca pelas quase-rendas provenientes do monopólio criará assimetrias entre as empresas de tal forma que, no limite deste processo de diferenciação, antigos paradigmas tecnológicos e organizacionais sejam inteiramente substituídos. Ainda que esta ampliação de assimetrias, característica do processo de busca por vantagens competitivas, não resulte na emergência de novos paradigmas, a introdução constante de inovações fará com que o velho seja constantemente contestado pelo novo ou pela possibilidade de emergência do novo. Portanto, para compreender a dinâmica da concorrência é necessário adotar a ótica da "destruição criadora" desenvolvida por J. Schumpeter.  Segundo o autor: "o impulso fundamental que põe e mantém em funcionamento a máquina capitalista procede dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados e das novas formas de organização industrial criadas pela empresa capitalista." (6)

Para Possas (1989, 1996), seguindo a abordagem schumpeteriana e evolucionista, o objetivo principal da análise da concorrência é a compreensão de sua dimensão ativa, marcada pela criação de novos espaços econômicos e pela existência de vantagens competitivas que não são facilmente diluídas. A predominância desta dimensão ativa nos sistemas capitalistas deve-se à busca persistente de estratégias competitivas que visem à obtenção e manutenção de lucros extraordinários e, portanto, o caráter dinâmico deste processo impede-o de ser analisado por meio de comparações entre situações de ajustamento, envolvendo a acomodação do sistema na situação utópica de lucro zero. Para o autor: "As situações de "ajustamento" ou eliminação de lucros extraordinários ou monopolistas não são ignoradas, mas postas no seu devido lugar – o de um momento, "passivo", de um processo que só pode ser compreendido na sua essência quando focalizado na sua dimensão "ativa" (...)" (7).

A análise evolucionária da concorrência, focada na unidade inovadora, ou seja, em seu processo de acúmulo de conhecimento tecnológico e em suas estratégias inovativas, revela a importância da diversidade para o processo competitivo, contrariamente à abordagem de organização industrial que mascara as assimetrias enfatizando a importância da indústria, e não da empresa, no processo de acumulação capitalista. Embora o acúmulo de conhecimento tecnológico não seja uma característica exclusiva da empresa, estando presente também dentro da indústria, a diversidade tecnológica e suas conseqüências sobre a concorrência apenas são observados no nível da empresa. Isso ocorre porque os resultados econômicos da inovação não se distribuem uniformemente entre as empresas, mesmo dentro de um mesmo setor. O caráter tácito e específico do conhecimento funciona como importante fonte de apropriabilidade privada, o que explica a grande variabilidade entre empresas e setores em relação à velocidade do aprendizado e às habilidades inovativas.

Dado que o objetivo das unidades inovadoras é melhorar suas condições de apropriabilidade dos benefícios econômicos do progresso técnico, a tomada de decisão destes agentes será norteada pela estratégia de diversificação tecnológica, levando à intensificação da concorrência. Dessa forma, ao contrário do que prediz a teoria neoclássica, o acirramento da concorrência não conduz à homogeneização das características empresariais, mas sim cria e intensifica diferenças. A ampliação destas diferenças depende da capacidade das empresas de exercerem papel ativo sobre o ambiente competitivo em que estão inseridas o que, por sua vez, está condicionado aos esforços de busca tecnológica e, sobretudo, à proteção dos resultados de pesquisa tecnológica. A estratégia de diferenciação via inovação tecnológica reforçará a posição oligopolista da empresa desde que esta consiga criar mecanismos eficazes de proteção aos resultados da inovação, tais como patentes e segredos industriais, associados às atividades de P&D formalizadas e frequentemente desenvolvidas nos laboratórios de pesquisa da empresa, bem como esforços não formalizados de aquisição de conhecimento, verificados nas melhorias de projetos, em tecnologias incorporadas aos bens de capital utilizados como insumos intermediários e processos de "learning by doing" e "learning by using". 

Dessa forma, para Dosi (1988), o processo competitivo é fortemente determinado pelas especificidades dos atores econômicos, caracterizadas por assimetrias tecnológicas e diversidade de estratégias competitivas decorrentes dos atributos da inovação, ou seja, das características e condições que levam ao progresso técnico. Oportunidade tecnológica, apropriabilidade privada e cumulatividade do progresso técnico são os atributos que constroem não apenas uma teoria da inovação, mas sim uma teoria microdinâmica, por permitirem tratar com rigor analítico a diversidade industrial e as trajetórias tecnológicas criadas por meio desta diversidade. Neste contexto, as vantagens competitivas são construídas a partir de capacitações técnicas e organizacionais, acumuladas ao longo do tempo pelas empresas, as quais resultam no desenvolvimento de novas tecnologias.

Esta geração de diversidade tecnológica, pela introdução de inovações de processo ou inovações de produto, depende da expectativa de apropriabilidade dos benefícios econômicos derivados da inovação, bem como da capacidade dos agentes para explorar oportunidades tecnológicas existentes ou criar novas oportunidades a partir do conhecimento acumulado em investigações passadas.

Para Hasenclever et al. (2007), qualquer conhecimento novo cuja aplicação permite solucionar problemas técnico-econômicos da produção deve ser entendido como nova tecnologia. Em Dosi (1988), esta nova tecnologia resulta de melhorias e diversificação de produtos e processos produtivos, a partir da busca tecnológica dentro da base de conhecimento adquirida pela empresa. Neste sentido, a nova tecnologia não deve ser confundida com nova informação, uma vez que as escolhas tecnológicas são fortemente condicionadas pela exploração do conhecimento de natureza específica à firma.

Inovação é habitualmente reduzida à informação no contexto da abordagem neoclássica, cujo elemento fundamental é o pressuposto de racionalidade substantiva ou maximizadora.. Esta visão é refutada pela abordagem evolucionista, em conseqüência da substituição do pressuposto de racionalidade substantiva pelos conceitos de racionalidade limitada e processual desenvolvido por Simon (1999). Segundo o autor, a tomada de decisão dos atores econômicos não pode ser baseada exclusivamente na informação, em virtude de suas limitações computacionais para reconhecer e transformar a informação disponível em conhecimento, o qual, ao ser colocado em prática, produzirá inovação.

Para Dosi et al. (2002: 16-19), conhecimento refere-se aos códigos de interpretação da informação, às habilidades tácitas dos agentes econômicos e a uma heurística de pesquisa e resolução de problemas que não podem ser reduzidos a qualquer algoritmo bem definido. Por outro lado, a informação fornece proposições codificadas acerca do estado do mundo em determinado momento e das características dos agentes econômicos, sendo capaz de explicitar algoritmos bem definidos para a tomada de decisão. Em suma, enquanto a informação pode ser reduzida a uma seqüência perfeitamente codificada de etapas, o mesmo não ocorre com o conhecimento, por envolver interações pessoais, experiência prática e observações em contextos muito específicos. Segundo os autores, quanto maior o grau de tacitividade do conhecimento, maior a dificuldade para explicitar a seqüência de procedimentos pela qual a informação é codificada, padrões de comportamento são formados e problemas são resolvidos.

Como toda tecnologia possui conhecimento não codificado, cuja natureza é tácita e específica, não há possibilidade de sua difusão na forma de informação (Dosi, 1988). Mesmo que a informação sobre as atividades inovativas das diferentes empresas circule rapidamente, as habilidades para produzir ou mesmo reproduzir seus resultados depende da aquisição do conhecimento não codificado incorporado dentro das unidades inovadoras. Portanto, a dinâmica da concorrência está atrelada à velocidade com que os atores econômicos aprendem a inventar novos produtos e processos e a replicar as inovações desenvolvidas em outras empresas e setores. Em suma, a análise do processo de concorrência está intimamente vinculada ao processo de acúmulo de conhecimento tecnológico dentro da empresa.

O aspecto tácito do conhecimento, de acordo com Dosi et al. (2002), constitui o elemento essencial da mudança técnica, mesmo diante do avanço das tecnologias de comunicação e informação e, consequentemente, da tendência à codificação do conhecimento. Neste contexto, os atributos de especificidade e cumulatividade do processo de busca tecnológica formam as condições necessárias para a apropriabilidade privada dos benefícios econômicos da nova tecnologia e, portanto, constituem importante fonte de estímulo ao progresso técnico. Para os autores, o estudo dos atributos da tecnologia, isto é, das condições de apropriabilidade privada, cumulatividade e oportunidade tecnológica, levou à descoberta de importantes regularidades históricas que ressaltam o papel ativo da empresa no sistema econômico, transformando-a no locus fundamental do processo de acumulação tecnológica nas economias contemporâneas.

De acordo com Dosi (1988), a busca por novos métodos de produção e novos produtos é resultado da interação entre duas fontes de conhecimento. A primeira consiste de capacitações tecnológicas criadas dentro de cada empresa e dentro das indústrias; a segunda refere-se ao conhecimento externo à indústria, como o desenvolvimento da ciência em diferentes ramos. As oportunidades tecnológicas provêm destas duas fontes de conhecimento e o grau de apropriabilidade privada associado a cada oportunidade tecnológica determinará a intensidade do esforço inovativo das empresas destinado à sua exploração.

Uma solução inovativa requer o uso de conhecimento formalizado, definido como um conjunto de procedimentos codificados - seja de natureza específica ou externa à indústria –, e o uso de conhecimento tácito, isto é, habilidades não-codificadas desenvolvidas dentro das unidades inovadoras. Para Dosi (1988), como o conhecimento tecnológico é parcialmente tácito e de natureza cumulativa e específica à firma, as capacitações desenvolvidas dentro das firmas para explorar a base de conhecimento disponível criam oportunidades tecnológicas, tanto pela descoberta de novos métodos de busca para a solução de problemas quanto pela capacidade de identificar o estado da ciência em diferentes áreas, gerando novas tecnologias a partir de descobertas científicas. Neste último ponto, cabe destacar que não se trata de uma análise do progresso técnico como resultado da mera aplicação de conhecimento científico. Conforme Rosenberg, "a tecnologia é um corpo de conhecimento próprio sobre certas classes de eventos e atividades. Não é meramente a aplicação do conhecimento obtido em outra esfera." (8)

2.1 Regimes tecnológicos e a natureza da tecnologia e do conhecimento

A atividade inovativa possui um padrão específico a cada indústria, em parte por ser fortemente influenciada pelo processo de aprendizado e acumulação de conhecimento dentro das firmas que a compõem. Neste sentido, a firma utiliza certas regras e heurísticas para a resolução de problemas baseadas em um padrão específico, compatível com a noção de regime tecnológico. Em Marsili e Verspagen (2001), a noção de regime tecnológico está relacionada com a tecnologia utilizada pelas firmas em suas atividades de resolução de problemas. Para os autores, o conceito de regime tecnológico é de natureza cognitiva, pois está relacionado com as crenças dos técnicos a respeito daquilo que é possível ou, ao menos, merece ser testado. Dessa forma, o regime tecnológico guia os técnicos, engenheiros e cientistas envolvidos com a atividade inovativa em direção ao desenvolvimento e emprego de heurísticas para a resolução de problemas específicos.

O regime tecnológico pode ser caracterizado a partir de algumas dimensões fundamentais das atividades de resolução de problemas das firmas, tais como: (i) as propriedades do processo de aprendizado associado às atividades de resolução de problemas; (ii) a origem do conhecimento, interno e externo, relevante para tais atividades; (iii) a natureza da base de conhecimento técnico e científico utilizada (Marsili; Verspagen, 2001). De forma mais geral, em Malerba e Orsenigo (1997), o padrão da atividade inovativa em cada indústria pode ser explicado como o resultado de diferentes regimes tecnológicos empregados pelas firmas, que representam combinações particulares de atributos fundamentais da tecnologia já destacados por Dosi (1988), entre eles (a) oportunidade tecnológica; (b) condições de apropriabilidade do progresso técnico; (c) grau de cumulatividade do conhecimento tecnológico.

O regime tecnológico é orientado pelo paradigma tecnológico, este último é definido em Dosi (1988) como um modelo de solução de problemas, baseado em princípios das ciências naturais e de problemas tecnológicos selecionados. Em Kupfer (1996), o paradigma tecnológico age como um direcionador do progresso técnico, definindo ex ante as oportunidades a serem perseguidas e aquelas a serem abandonadas. Neste sentido, tem um poderoso efeito de exclusão, pois permite a redução do número de possibilidades de desenvolvimento tecnológico.

Uma análise microdinâmica tem por objetivo compreender o processo de transformação das estruturas de mercado induzido por inovações tecnológicas em busca de vantagens diferenciais, o que implica desequilíbrio e trajetórias em aberto. De acordo com Schumpeter "(...) o problema que frequentemente tem sido observado é como o capitalismo administra as estruturas existentes, porém a questão relevante é como o capitalismo cria e destrói estas estruturas" (9). O enfoque analítico desta abordagem não está exclusivamente nas estruturas de mercado, mas também na forma como os atributos da inovação atuam para modificar as estruturas existentes. Dessa forma, a estrutura de mercado co-evolui com a atividade inovativa. A diversidade tecnológica e as trajetórias tecnológicas que dela derivam são resultado de diferentes condições de oportunidade tecnológica, apropriabilidade e cumulatividade do progresso técnico. A forma como as empresas fazem uso desse conjunto de condições na busca de lucros extraordinários está expressa em suas rotinas.

Em Nelson & Winter (1982), as rotinas refletem padrões regulares e previsíveis de comportamento da empresa, os quais incluem desde procedimentos operacionais relativamente simples até estratégias mais complexas, como a política de pesquisa e desenvolvimento e a forma como a empresa lida com problemas não-rotineiros. Para os autores, da mesma forma que a teoria da evolução na biologia assume que os genes apresentam as características persistentes e hereditárias do organismo, determinando seu possível comportamento, as rotinas na teoria econômica evolucionária também expressam um padrão de comportamento, o qual é reproduzido de geração para geração de empresários e trabalhadores e, portanto, condicionado ao acúmulo de conhecimento tecnológico dentro da empresa.

Uma análise complementar à abordagem de Nelson & Winter (1982) é encontrada em Dosi (1988). Segundo o autor, a heurística sobre como desenvolver e aprimorar produtos e processos está incorporada em rotinas organizacionais e representa o conhecimento tecnológico da empresa. A heurística sobre como fazer coisas ou melhorá-las é incorporada às rotinas organizacionais, o que permite às empresas explorar capacidades tecnológicas as quais são transformadas em produtos para mercados específicos. Rotinas tecnológicas são adotadas em virtude da complexidade do ambiente em que as empresas operam e, portanto, da incapacidade de prever o resultado de suas ações. Dessa forma, a adoção de procedimentos de pesquisa bem definidos pela organização reduz os efeitos da incerteza sobre a pesquisa inovativa, embora não a elimine.

Os mecanismos encontrados pelas empresas para alterar ou substituir as rotinas existentes indicam como as oportunidades tecnológicas são exploradas pelas unidades inovadoras. A prática das rotinas organizacionais, a partir do processo de repetição e alterações incrementais, torna certas empresas melhores para explorar oportunidades tecnológicas e transformá-las em produtos específicos.

Para Dosi (1988), as rotinas de busca tecnológica criam diferentes oportunidades de progresso técnico, seja pela ampliação do escopo das inovações potenciais, seja por tornar mais fácil a descoberta de novos processos de produção e produtos. Além do mais, os efeitos da inovação geralmente ultrapassam os limites do setor de origem criando, portanto, novas fontes de oportunidades, por meio de mudanças nas relações insumo-produto e alterações de complementaridades tecnológicas. Dessa forma, o processo de geração e difusão de inovações aumenta a produtividade dos setores que são direta ou indiretamente afetados pelas inovações, reforçando os incentivos para o desenvolvimento de novas tecnologias. Logo, a estratégia imitativa e o transbordamento dos efeitos de inovações bem sucedidas criam e/ou reforçam assimetrias entre as firmas, permitindo que algumas empresas obtenham melhorias em suas posições competitivas.

Em Possas (1999), a oportunidade tecnológica pode ser vista tanto pelo lado da demanda quanto pelo lado da oferta e equivale a qualquer oportunidade de obter vantagem competitiva via progresso técnico. Segundo a autora, a fase do ciclo de vida do produto em determinado setor determinará seu grau de oportunidade tecnológica. Para um produto novo há diversas formas de explorar vantagens competitivas, seja por meio do baixo grau de estandardização, o que implica uma menor elasticidade-preço da demanda, ou pela possibilidade de realizar melhorias em seu processo produtivo e aproveitamento de todas as formas de aprendizado. Quando o produto adquire elevado grau de estandardização e difusão, as oportunidades tecnológicas são reduzidas.

De forma semelhante, em Malerba e Orsenigo (1997) oportunidade tecnológica reflete a facilidade para inovar a partir de uma dada quantia de recursos investida em atividades de pesquisa. Para os autores, o ciclo de vida do produto é condicionado à emergência de designs dominantes para a tecnologia. Nos estágios pré-paradigmáticos, as oportunidades tecnológicas são elevadas e, portanto, as empresas são livres para pesquisar em diversas direções e testar diferentes soluções tecnológicas, pois ainda não foi definido um design dominante. Quando emerge um design dominante, a mudança técnica segue uma trajetória específica determinada pelo paradigma tecnológico e, neste caso, diminui consideravelmente o número de soluções tecnológicas possíveis. Se, por um lado, as oportunidades tecnológicas dependem do grau de desenvolvimento ou maturidade tecnológica da indústria, por outro lado características específicas ao conhecimento novo, como seu grau de abrangência (pervasiveness), também determinam as oportunidades tecnológicas. Estas serão mais intensas quanto maior a capacidade do novo conhecimento ser aplicado a muitos produtos e mercados.

A oportunidade tecnológica é condição necessária, mas não suficiente para a inovação. De acordo com Dosi (1984), são as condições de apropriabilidade privada que definem o grau de comprometimento da empresa com atividades inovativas. Tais condições estão relacionadas aos mecanismos formais, como patentes, e mecanismos informais, como segredos industriais. Para o autor, o padrão da mudança técnica no tempo é condicionado pela inovação inicial, revelando o caráter cumulativo do processo inovativo. A cumulatividade do progresso técnico é um atributo ligado ao aprendizado por experiência prévia e aos mecanismos informais de difusão da tecnologia. Diferentes tecnologias e diferentes indústrias conduzem a distintos graus de cumulatividade e, consequentemente, a trajetórias distintas dentro de um mesmo paradigma tecnológico. Em Dosi et al. (1998), o paradigma tecnológico fornece a base cognitiva necessária para a superação dos trade offs técnicos e econômicos em um processo dinâmico definido como trajetória tecnológica. Segundo Kupfer (1996), um paradigma tecnológico é fruto das oportunidades inovativas e da cumulatividade do conhecimento, isto é, das experiências adquiridas pelas unidades inovadoras, influenciando o desenvolvimento da trajetória tecnológica.

O conjunto de atributos da inovação, tais como as condições de apropriabilidade, oportunidade tecnológica e cumulatividade do conhecimento, determina o grau de maturidade do paradigma tecnológico e a direção da mudança técnica no tempo. Para Dosi, "(...) um paradigma tecnológico pode ser definido como um "padrão" de solução de problemas tecno-econômicos baseado em princípios altamente selecionados das ciências naturais (...)." (10) O paradigma tecnológico delimita um campo de investigação, os procedimentos e os objetivos a serem perseguidos na busca de soluções para problemas específicos. Segundo o autor, a evolução do paradigma tecnológico depende do progresso técnico ocorrido ao longo de trajetórias específicas, determinadas a partir dos princípios básicos definidos pelo paradigma. Para que ocorra progresso técnico, uma precondição é que a tecnologia seja capaz de reduzir os trade offs técnicos e econômicos delimitados pelo paradigma. O conjunto de possibilidades de ação para eliminar os desequilíbrios entre as características técnicas desejáveis de produtos e processos produtivos forma as trajetórias tecnológicas.

O autor ainda argumenta que a descoberta de novos atributos para produtos e processos promove a evolução dos indicadores de desempenho industrial e, por consequência, conduz ao deslocamento dos trade offs técnicos, gerando novas trajetórias tecnológicas a partir de um mesmo paradigma tecnológico. Dessa forma, desempenho industrial e estrutura industrial são endógenos ao processo de inovação, difusão e competição. As mudanças observadas na estrutura industrial e na dinâmica do desempenho das indústrias resultam de três fatores: (a) aprendizado inovativo das firmas; (b) difusão do conhecimento; (b) processo de seleção de inovações pelo mercado. A dificuldade crescente para encontrar novas soluções tecnológicas que reduzam os constrangimentos de uma determinada tecnologia estimula o desenvolvimento de novos paradigmas. Freqüentemente, a emergência de um novo paradigma está diretamente associada à ruptura do conhecimento científico, tornando possível fazer "novas coisas" de maneiras completamente diferentes.

Os benefícios econômicos obtidos dentro do paradigma aumentarão de acordo com a capacidade da firma de alterar as dimensões técnico-econômicas da inovação pela descoberta de novos atributos, tornando antigas características pouco relevantes. Em Nelson & Winter (1982), mudanças nos atributos da inovação explicam a continuidade do progresso tecnológico ao longo do tempo e seu caráter cumulativo. A busca por novos produtos e processos nem sempre tem como resultado uma inovação tecnológica, mas certamente contribui para o progresso técnico, ao acrescentar conhecimento científico e tecnológico à base de conhecimento da firma. Sem este acúmulo de conhecimento, as atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) teriam retornos decrescentes à escala e, conseqüentemente, não haveria avanço técnico, mesmo diante do aumento da P&D. Nas palavras de Nelson, "As melhores técnicas ou práticas são encontradas e podem ser implementadas, mas o conhecimento é constantemente aprimorado. As descobertas de hoje fornecem pistas sobre onde procurar e onde não procurar amanhã." (11)

Dado o caráter cumulativo do progresso técnico, a busca por diferenciação tecnológica e apropriabilidade privada dos benefícios econômicos do esforço inovativo conduz à centralização das atividades de P&D na firma. Para Dosi (1988), o crescimento da pesquisa e desenvolvimento (P&D) em certos setores não tem levado a um processo de desverticalização da atividade tecnológica e ao surgimento de fornecedores especializados em inovação, contrariamente à tendência observada nas atividades produtivas. A geração de P&D in-house tem sido a forma dominante de organização do processo de busca tecnológica pelas organizações, especialmente em virtude da importância do conhecimento tácito e da natureza cumulativa do processo de criação de conhecimento. Ademais, as atividades de pesquisa internas à organização possibilitam tanto o desenvolvimento de novas tecnologias como a criação de habilidades específicas para reconhecimento, desenvolvimento e adaptação de tecnologias desenvolvidas por outras empresas; em outras palavras, P&D desenvolve a capacidade de absorção de conhecimento dentro da organização (Cohen e Levinthal, 1990).

Para Dosi (1988), aprendizado inovativo é uma importante arma competitiva e a forma como os agentes econômicos aprendem influencia tanto sua capacidade para explorar esta arma competitiva quanto o ambiente no qual eles operam. Os agentes aprendem a partir do corpo de conhecimento que caracteriza cada tecnologia, ou seja, o paradigma tecnológico. Consequentemente, as características da evolução de cada indústria são conduzidas pelos padrões de aprendizado e pela forma que o aprendizado influencia o processo competitivo. A cumulatividade e tacitividade do conhecimento tecnológico transformam as capacitações para perseguir oportunidades tecnológicas em ativos específicos à firma. Dessa forma, a tendência à centralização das atividades de P&D constitui estratégia necessária para manutenção das assimetrias entre as empresas, bem como do próprio processo competitivo. Ainda que exista transferência de tecnologias entre empresas, é fundamental que cada uma possua sua própria base de conhecimento tecnológico, pois será capaz de criar, reconhecer, explorar e adaptar tecnologias e conhecimento científico que lhe são externos. O reforço da posição oligopolista da firma, em virtude das assimetrias geradas pela inovação tecnológica, faz com que o progresso técnico seja dirigido pelo processo competitivo.

2.2. Vantagem competitiva e estratégia tecnológica baseada em inovação e imitação

De acordo com a visão baseada em recursos, originalmente desenvolvida por Penrose (1959) (12), as firmas crescem e permanecem competitivas pela sua capacidade em explorar e acumular recursos e capacitações. Para muitas firmas, a organização da P&D tem um papel central no gerenciamento e desenvolvimento de recursos, na medida em que as atividades de P&D caracterizam o meio mais importante para a firma acumular conhecimento tecnológico de forma a criar inovações.

Segundo Lewin e Massini (2003), firmas inovadoras têm maior habilidade em relação às firmas imitadoras para internalizar configurações de know how organizacional e capacitações dinâmicas para facilitar e gerenciar o processo de criação de conhecimento e inovação. As capacitações criadas pelas firmas inovadoras as tornam mais propensas, em comparação com as firmas imitadoras, a desenvolverem suas próprias técnicas produtivas, bem como obter maiores taxas de sucesso no desenvolvimento de novos produtos, por exercerem maior influência sobre o comportamento do consumidor na escolha do design dominante. Ademais, as capacitações tecnológicas desenvolvidas pelas firmas inovadoras as tornam mais aptas para explorar oportunidades tecnológicas durante os estágios de emergência, evolução e maturação do novo design dominante.

Para a teoria evolucionária, em um ambiente altamente competitivo, as experiências bem sucedidas das firmas são aquelas que geram taxas de sobrevivência e crescimento superiores, devido à capacidade destas firmas para criar novos conhecimentos, recombinar capacitações existentes e reinventar outras, bem como atualizar as rotinas existentes e criar novas rotinas. Para Lewin e Massini (2003), as firmas que participam do desenvolvimento, concepção e adoção de novas tecnologias conseguem internalizar rotinas organizacionais mais elaboradas e, com isso, adquirem maior capacitação para direcionar a mudança tecnológica, em relação às firmas imitadoras. Por sua vez, as firmas imitadoras são mais propensas a introduzir mudanças amplamente aceitas pelos consumidores, isto é, tecnologias cujo deseign dominante já está em processo de maturidade tecnológica e que não são fortemente dependentes de conhecimento tácito sendo, portanto, facilmente implantadas.

As firmas imitadoras adotantes recentes de uma nova tecnologia são caracterizadas como usuárias líderes, na medida em que contribuem para a criação de novas aplicações da tecnologia. Por outro lado, as firmas que inovam lançando produtos e processos pioneiros no mercado, caso não tenham capacitações tecnológicas para criar aplicações adicionais para a nova tecnologia, por exemplo, por meio do desenvolvimento de melhorias incrementais aos novos produtos ou processos, aumentam a probabilidade de serem imitadas rapidamente por outras firmas.

Neste contexto, a introdução de uma inovação de processo ou de produto por parte da firma apenas resulta em vantagem competitiva caso as condições de apropriabilidade dos benefícios econômicos do progresso técnico sejam garantidas, seja via patentes, segredos industriais ou pelo grau de tacitividade do conhecimento envolvido. Em razão da dependência das inovações de processo do conhecimento de natureza mais tácita e sistêmica, suas fontes são frequentemente internas à firma, ou seja, as inovações provêm das competências centrais e capacitações e, portanto, são específicas à firma. Por sua vez, as inovações de produto tendem a ser específicas à indústria, sendo mais facilmente imitáveis pelos competidores, por meio de métodos como engenharia reversa.

3. Distribuição de renda no nível da firma e o processo de fixação de preços e do nível de produção

Nesta seção é apresentado um modelo de inspiração Kaleckiana e Schumpeteriana para compreender a trajetória da distribuição funcional da renda, no âmbito da firma, mediante introdução de inovações. A questão distributiva, na tradição Kaleckiana, é analisada a partir da hipótese de que as firmas assumem papel ativo no processo de determinação de preços dentro da indústria, tratando o grau de monopólio como variável fundamental para determinar a distribuição de renda entre trabalhadores e capitalistas. Este aumento do grau de monopólio, segundo tal abordagem, estava associado principalmente ao processo de concentração da indústria, levando ao surgimento de grandes empresas, com elevada participação relativa sobre a produção total da indústria e, consequentemente, forte influência sobre o preço médio da indústria. Neste contexto, a análise ortodoxa das condições de concorrência perfeita, sob hipótese de equilíbrio e rendimentos decrescentes, torna-se incompatível com a tendência de expansão da grande empresa capitalista, mediante o dilema de aumento da participação no mercado, sem comprometer a parcela dos lucros na renda gerada. De acordo com Sraffa apud Possas (1987), o obstáculo à expansão da firma encontra-se "na dificuldade de vender maior quantidade de produtos sem reduzir o preço, ou ter de se defrontar com despesas crescentes de comercialização." (13)

Em Kalecki (1954) e em Steindl (1983), as fontes de determinação do grau de monopólio são fortemente ligadas a dois fatores: (i) inovações de processo redutoras de custo; (ii) uso de capacidade ociosa como fonte de vantagem competitiva e para redução dos efeitos da incerteza sobre o comportamento da demanda futura. Em Schumpeter (1943), o estudo do processo de 'destruição criadora' contribui para o aprofundamento da análise da dinâmica do desenvolvimento capitalista, ao conceber a atividade inovativa como elemento fundamental ao aprofundamento da heterogeneidade industrial, pelo esforço inovativo das empresas com o objetivo de alterar seu ambiente na busca por lucros extraordinários. De modo geral, dado que as vantagens competitivas derivam da criação de diferenças e intensificação das assimetrias entre os agentes, as empresas adotam critérios de fixação de preços que refletem seu poder de mercado. 

Segundo a tradição Kaleckiana, em condições de mercados de concorrência imperfeita ou oligopolizados, preços são fixados ex ante com base em uma margem adicionada aos custos diretos unitários de cada firma, denominada mark-up. Nesta abordagem o processo de fixação de preços é definido pelas relações de interdependência entre as firmas, isto é, o preço da firma i depende do preço médio da indústria, e pelos custos diretos de produção de cada firma, ao contrário dos custos marginais. Ademais, o critério de fixação de preços utilizado - o mark-up - é destinado a cobrir os demais custos de produção (fixos e financeiros), fornecendo ainda uma margem de lucro ao empresário.

O conceito de mark-up está associado ao poder de monopólio da firma, influenciado, entre outros fatores, pelo progresso técnico. Neste processo, a fixação de preços é estabelecida de modo interativo, pois as firmas levam em consideração seus custos diretos (variáveis) de produção, a margem de lucro desejada e o preço dos concorrentes. Portanto, para exercer algum poder de monopólio, a firma deve agir ativamene no processo competitivo, alterando as condições de seu ambiente de atuação, seja por meio de inovações de processo redutoras de custo, seja pela criação de novos mercados, via inovação de produto. Em ambos os casos, a tendência é que o progresso técnico acarrete aumento de produtividade da mão-de-obra.

Para Eichner (1973), sendo os preços determinados por mark-up, a influência da demanda corrente sobre a escolha do nível de preços por parte da firma, sob condição de oligopólio, torna-se pouco relevante, implicando a invalidação do argumento da teoria microeconômica tradicional de que os preços são determinados pela interação entre oferta e demanda no mercado. Segundo o autor, o mark-up depende da demanda e oferta de fundos adicionais de investimentos por parte das firmas ou do conjunto de firmas com poder de fixação de preços dentro da indústria. Em virtude de seu poder de mercado, a firma pode aumentar a margem acima dos custos de forma a ampliar a parcela de fundos internos – fluxo de caixa - para financiar seus gastos com investimento. Portanto, neste modelo a firma é vista como um agente que usa o preço para alterar seu fluxo intertemporal de receitas, o que, para o autor, constitui o principal pressuposto do modelo, pois permite a construção de uma teoria dos preços compatível com a definição do oligopólio. 

Segundo Eichner (1975), duas importantes evidências suportam a validade do processo de fixação de preços segundo o critério de mark-up: (i) a firma não está sujeita a pressões de custo em função do aumento da demanda pelo seu produto, de forma que seus custos são constantes ao longo de um trecho relevante de produção, o que leva ao surgimento de uma curva de oferta perfeitamente elástica no curto prazo; (ii) os lucros, ou a renda residual da firma, crescem proporcionalmente ao aumento do nível de utilização da capacidade produtiva, isto é, do aumento da demanda. Este aumento dos lucros ocorre porque enquanto os custos variáveis médios são mantidos constantes, os custos de 'overhead' unitários diminuem conforme a demanda cresce. Dessa forma, além do poder de monopólio, dois outros fatores são utilizados para explicar o tamanho do mark-up. O primeiro é a taxa esperada de utilização da capacidade produtiva, na medida em que ela se torna a base para a estimativa dos custos médios sobre os quais a margem será aplicada. O segundo refere-se ao nível de investimento planejado, na medida em que esta variável pode ser utilizada como uma medida de confiança do negócio, ou seja, uma medida da capacidade da firma de manter uma margem acima dos custos diretos de produção. Portanto, quanto maior o nível de investimento planejado, maior o mark-up sobre os custos.

Nos modelos que seguem o princípio do 'custo total' (14), o processo de fixação de preços torna-se fortemente determinado pelas condições de oferta. Isso pode ser visto na própria equação de preços Kaleckiana. Para Kalecki (1954), ao fixar preços a firma leva em consideração a média de seus custos diretos e os preços de outras firmas que fabricam produtos similares, seguindo a expressão abaixo:

, em que:

u: custo direto unitário

: média ponderada dos preços de todas as firmas

De acordo com Kalecki (1954): "Os coeficientes m e n, que caracterizam a política de fixação de preços da firma, refletem aquilo que podemos chamar de grau de monopólio da posição da firma." (15) Para Possas (1983), a elevação em um dos parâmetros ou em ambos equivale ao aumento do grau de monopólio da firma. Elevações do coeficiente m derivam da maior capacidade da firma, vis a vis os demais concorrentes, para repassar aos preços os custos diretos de produção. Por sua vez, aumentos de n resultam da melhora da posição relativa da firma na estrutura de preços da indústria, mesmo na ausência de alterações nos custos.

No caso geral, o grau de monopólio difere para cada firma, de forma que os coeficientes  e  de um ramo da indústria sejam expressos como médias dos coeficientes m e n ponderadas, respectivamente, pelos custos diretos totais e pela produção de cada firma. Assim, o grau de monopólio é determinado pela seguinte expressão:

.

Esta condição implica que quanto mais elevado for o grau de monopólio, maior será a relação . Tal critério de fixação de preços é aplicado apenas a uma situação semi-monopolística, na presença de algum grau de ociosidade da capacidade produtiva.

Em Possas (1983), a conclusão de que a firma determina preço segundo um critério de mark-up, ou seja, seguindo uma política de preços do tipo 'custo total' (por oposição ao custo marginal), reserva à demanda um papel bastante restrito na determinação do preço, além de possibilitar o enfoque analítico na margem de lucro e não no preço, provocando um maior distanciamento entre esta abordagem e a teoria econômica ortodoxa. A análise do processo de concorrência em condição de mercados oligopolizados substitui a hipótese de que preços e quantidades sejam determinados conjuntamente pelo pressuposto de ajustamento não-automático da produção à demanda, em virtude da existência de variações de estoques e pedidos acumulados. Nas palavras do autor:

"A demanda terá influência sobre o nível escolhido de produção da empresa, mas este não pode reagir instantaneamente, porque as modificações na programação do volume de produção tomam tempo e despesas; assim, as variações nos estoques de produtos e pedidos acumulados atuam ao mesmo tempo como "amortecedores" dos efeitos dos desajustes da produção à demanda sem afetar a estrutura de preços, e como mecanismo de feedback para orientar o planejamento da produção por intermédio da previsão do comportamento futuro da demanda." (16)

Neste sentido, alterações dos níveis de demanda possuem pouca relevância na determinação do grau de monopólio, expresso em termos de um aumento na razão preço/custo direto unitário ou na margem bruta de lucro, fortemente dependente de mudanças no grau de concentração da indústria e das formas de concorrência dominantes. Neste último ponto, o poder de monopólio reflete condições estruturais bem como específicas à empresa, na medida em que é influenciado por alterações nas interrelações competitivas da firma, seja com as demais concorrentes, seja com as empresas fornecedoras de insumos e os trabalhadores. Este resultado é conseqüência do princípio do 'custo total', segundo o qual os elementos estruturais relevantes para determinação de preços e margens de lucro no longo prazo são relativos ao grau de barreiras à entrada, e não às condições conjunturais da demanda de curto prazo. Conforme destaca o autor, tais condições influenciam apenas os volumes de vendas e de produção, esta última talvez com algum retardo. No contexto de mercados oligopolizados, o preço perde a função de mecanismo regulador da produção à demanda, tal como lhe era atribuída na teoria neoclássica, tornando necessária a análise do grau de utilização da capacidade produtiva, como variável fundamental para a análise da interação dinâmica da empresa com o mercado. Esta flexibilidade do grau de utilização da capacidade amortece os efeitos conjunturais da demanda sobre os preços, mantendo margens brutas de lucro relativamente rígidas. Variações na taxa de lucro, portanto, com uma estrutura estável, resultam das mudanças no grau de utilização da capacidade produtiva instalada e não de alterações dos custos primários de produção, expressos em aumentos de salário e do preço dos insumos básicos (Steindl, 1983; Possas, 1987).

3.1. Distribuição funcional da renda e grau de monopólio

Segundo Kalecki (1954, caps. 1 e 2), a fixação de preços e de margens de lucro deve ser analisada como mecanismo estrutural básico para a determinação da distribuição funcional da renda. Para Possas e Baltar (1981), a teoria da distribuição Kaleckiana é totalmente fundamentada em fatores microeconômicos, de forma que variações na distribuição funcional são explicadas por mudanças nas condições de concorrência nas indústrias ou mercados. O suporte microeconômico da teoria está na análise do processo de fixação de preços e margens de lucro em mercados oligopolizados. A rigidez de preços e a relativa estabilidade dos oligopólios é conseqüência do poder de mercado das firmas, expresso na margem de lucro bruto, e da necessidade dos capitalistas de preservar a rentabilidade desejada, evitando intensa concorrência em preço e a erosão das barreiras à entrada existentes. Os autores ressaltam que, embora mudanças na estrutura da indústria afetem a distribuição da renda como, por exemplo, favorecendo a participação dos salários na renda gerada, isso não afetará o nível de lucro agregado, dado ser esta variável dependente apenas dos gastos dos capitalistas em consumo e investimento não guardando, portanto, qualquer relação com os salários. Segundo os autores: "Na medida em que o conceito de grau de monopólio exprime não só a concorrência entre capitalistas, como também o confronto entre estes e os trabalhadores, contem em si o processo pelo qual se dá a distribuição da renda entre lucros e salários no nível de empresa." (17)

Em Kalecki (1954), a análise da distribuição da renda é desenvolvida a partir de uma relação entre rendimentos e custos diretos e a parcela relativa dos salários no valor agregado em um ramo da indústria. Segundo o autor, a justificativa para a escolha da parcela relativa dos salários, como ponto de partida para a análise da distribuição da renda, deve-se à constatação de serem os lucros determinados pelas decisões de consumo e investimento dos capitalistas, e não pelos 'fatores de distribuição', isto é, fatores que determinam a distribuição da renda, como o grau de monopólio. Dessa forma, apenas a renda dos trabalhadores, equivalente ao seu consumo agregado, será determinada por tais 'fatores de distribuição'. Sob tais condições, os níveis de emprego e produção agregados, e por conseqüência o consumo dos trabalhadores, serão determinados pelas decisões dos capitalistas relativas a consumo e investimento, em conjunto com o grau de monopólio (fator de distribuição).

Para o autor, o valor agregado, definido como o valor dos produtos excluído os custos com matérias-primas, é equivalente à soma de salários e lucros e pode ser representado conforme a equação abaixo, considerando W como o total de salários, M como o custo total com matéria-prima e k como a razão entre o total de rendimentos e o total dos custos diretos:

custos indiretos + lucros = (k – 1)(W +M)      (1)

Esta relação permite demonstrar a influência exercida pelo grau de monopólio e pela razão entre custos das matérias-primas e da mão-de-obra sobre a parcela relativa dos salários no valor agregado. A parcela relativa dos salários no valor agregado, definida por w, é expressa como:

         (2)

Sendo a variável j definida como a razão entre o montante dos custos com matéria-prima e o custo de mão de obra, o autor conclui que: "(...) a parcela relativa dos salários no valor agregado é determinada pelo grau de monopólio e pela razão entre os custos com matérias-primas e custos com mão-de-obra." (18)

Um aumento do grau de monopólio das firmas, portanto, elevaria a parcela relativa dos lucros em detrimento da parcela dos salários na renda gerada. Segundo Considera (1981), outro fator que levaria ao aumento da parcela de lucros seria a redução do salário real: ainda que o salário real cresça em um contexto de rápido crescimento do produto, sua participação relativa na renda pode reduzir, em virtude de um menor crescimento do salário real frente ao crescimento do produto real, indicando que o crescimento da produtividade da mão-de-obra beneficia mais o capital do que o trabalho.

Em Possas (1983), alguns elementos são incorporados à abordagem kaleckiana, como a determinação do nível de produção vis à vis o volume de vendas e variação de estoques, com o intuito de desenvolver uma análise dinâmica da conexão entre a formação de preços e margem de lucro nas empresas e mercados. O autor inicia sua análise a partir da postulação de um tempo econômico conceitual, um 'instante lógico' em que a empresa toma a decisão de produção. Assumindo que o capitalista vincule a essa decisão o pagamento de insumos e salários, a partir de relações técnicas pré-estabelecidas, os preços dos insumos e a taxa de salários são dados para a empresa, ou seja, os custos diretos de produção são dados independentemente das vendas. Se, tampouco os custos indiretos variam com o volume de produção, o único elemento estritamente residual, no confronto entre receita de vendas e despesas associadas a dado volume de produção, é o lucro líquido. Nas palavras do autor: "Segue-se que, dos itens que compõem o valor adicionado pela empresa no período de produção, apenas o lucro é função das vendas, sendo os demais (salários, ordenados, juros, aluguéis, royalties, impostos) determinados em simultâneo à produção." (19)

Dessa forma, qualquer fator que altere a receita de vendas, como movimentos imprevistos na demanda, modificará no mesmo montante a massa de lucros como parcela residual. Um aumento não antecipado nas vendas, ao ampliar a massa de lucros como parcela residual, reduz a participação dos salários na renda gerada, e vice-versa em caso de retração das vendas. Cabe observar que a análise do critério de determinação dos preços não é necessária para compreender este processo; contudo, torna-se fundamental para analisar a estabilidade relativa dos lucros e da margem de lucros, especialmente em condições de oligopólio, devido à indeterminação da demanda e de seus impactos sobre o nível de vendas, resultante da interdependência das empresas. Caso a hipótese neoclássica de flexibilidade dos preços, como mecanismo de ajuste das vendas às variações de demanda, fosse observada, a intensificação da competição ameaçaria a coordenação e estabilidade do oligopólio.

As implicações da interação entre produção e vendas no tempo, em condições de oligopólio, seguindo o critério de mark-up para determinação dos preços, são apresentadas pelo autor contrastando o fluxo de vendas com a produção programada. Variações imprevistas na demanda serão devidamente sinalizadas por mudanças imprevistas dos estoques, resultando em um gap temporal entre o fluxo de vendas e a produção programada. Este aparente 'erro de previsão' será registrado e incorporado à decisão de produção subsequente, podendo induzir novos investimentos, caso não haja capacidade ociosa.

Possas (1983) redefine a equação kaleckiana de determinação da parcela relativa dos salários na renda da indústria, a fim de verificar a maior estabilidade relativa dos lucros, da margem de lucros e da participação de lucros e salários nos mercados de preços definidos pelo mark-up, em comparação com os mercados de preços flexíveis. O autor propõe confronto entre vendas esperadas e realizadas ao longo de uma sucessão de períodos de produção. Para tanto, redefine a equação kaleckiana pela inclusão de um preço p, como expressão de um 'preço de produção', excluindo impostos indiretos e margens de comercialização, além de incluir a relação entre a quantidade vendida x e quantidade produzida x*. A equação kaleckiana da parcela relativa dos salários é dada por:

, em que      (3)

A expressão acima é a mesma de Kalecki (1954), exceto pela substituição do mark-up (k) pelo termo (k'). Segundo o autor, na equação original de Kalecki, a hipótese subentendida de que x= x* leva à conclusão de que o mark-up é definido como uma relação a posteriori, ou seja, uma relação meramente observada, o que contraria a conceituação originalmente desenvolvida. Em Possas, Koblitz et al. (2001) e Possas (1983, 1987), como o interesse fundamental de Kalecki estava nos determinantes do grau de monopólio, o uso da variável mark-up desejado, ao contrário do mark-up efetivo, utilizada como índice do grau de monopólio justifica-se por seu caráter estrutural, não estando relacionada a ajustes conjunturais entre produção e vendas. No entanto, embora o grau de monopólio não seja influenciado pelos desajustes entre produção e vendas, o mark-up efetivo, por ser produto do comprometimento entre curto e longo prazos, reflete o ajuste de curto prazo, seja via preço ou quantidades, da receita de vendas à demanda. Da mesma forma, a distribuição setorial funcional da renda é influenciada pelas variações conjunturais de estoques causadas por alterações imprevistas na demanda. Na equação (3) esta influência é explicitada por meio da variável mark-up (k) ponderada pela razão entre quantidade vendida (x) e quantidade produzida (x*). Logo, um aumento imprevisto nas vendas, por ampliar a massa de lucros, tem efeito negativo sobre a participação dos salários, e vice-versa em caso de retração das vendas. Quanto à estabilidade relativa da parcela dos salários na renda no âmbito da firma, a partir da equação (3) é possível verificar que a distribuição setorial funcional da renda é relativamente mais estável diante de mudanças imprevistas nas vendas quanto maior o mark-up e quanto menor o parâmetro j.

Possas (1983) comenta que, para Kalecki, a participação dos salários na renda gerada no nível de cada empresa – equação (3) – é afetada, em direção inversa, por dois fatores estruturais: mark-up e razão entre custos de matérias-primas e de salários. O primeiro fator – mark-up – deve ser analisado como uma variável estrutural por refletir a posição competitiva do produtor vis-à-vis à estrutura de mercado, não estando sujeito a mudanças conjunturais nas condições de demanda por uma sucessão de períodos de produção. Tal fato é reforçado pela observação de que os custos diretos unitários são praticamente constantes dentro do trecho relevante da produção, de forma que os preços não são afetados por desajustes conjunturais entre produção e vendas. Em relação ao segundo fator (j), por ser independente do processo de determinação da renda e de sua distribuição pode ser tratado como um parâmetro e sua importância para a análise da distribuição da renda está nos efeitos intersetoriais que ele representa. O parâmetro (j) representa os efeitos inter-setoriais, de trás para frente, dos preços dos produtos intermediários sobre a estrutura de custos diretos da firma ou do estágio produtivo em questão.

4. Conclusão

Na teoria Kaleckiana, a firma tem papel ativo no processo de concorrência, na medida em que consegue estabelecer seu preço e com isso influenciar o preço de mercado. Dessa forma, a demanda tem um papel bastante restrito no processo de fixação de preços, sendo este determinado quase que exclusivamente pelas condições de oferta. As condições de oferta estão expressas no mark-up ou grau de monopólio, sendo influenciadas por fatores estruturais como a concentração do mercado e o padrão de concorrência dominante na indústria. Neste sentido, quando a firma amplia o mark-up ela altera o ambiente de mercado a seu favor, isto é, ela estabelece preços e margens de lucros que permitam aumentar a parcela dos lucros na renda setorial e, consequentemente, reduzir a participação dos salários.

Ao afetar o poder de mercado as inovações bem sucedidas permitem a ampliação das assimetrias entre as firmas, intensificando a concorrência e promovendo desajustes na distribuição da renda setorial entre salários e lucros. A inovação não gera uma tendência de monopolização do setor, pelo contrário ela reforça a concorrência por produzir diferenças importantes entre as firmas, tais como diferenciação de produtos e de processos produtivos levando a, respectivamente, aumento de qualidade e de produtividade. Portanto, as firmas não buscam se igualarem em termos competitivos, mas sim se distanciarem ao longo do processo de concorrência. Como a atividade inovativa, em especial a inovação de produto, flexibiliza o trade off entre mark-up e market share, ela favorece a parcela dos lucros no valor adicionado do setor. Seja a dinâmica da concorrência dependente da introdução de assimetrias tecnológicas, a atividade inovativa ao influenciar o mark-up e gerar vantagens competitivas, altera a distribuição da renda entre salários e lucros no âmbito setorial, aumentando a participação do excedente bruto, em detrimento dos salários, na renda setorial.

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1 Professora do Departamento de Economia da Faculdade de Ciências e Letras (FCL/Ar) – UNESP. Email: tmassaroli@hotmail.com
2 Arthur, W. B. 2005, p. 5
3 Schumpeter, J. 1943, p. 88
4 Kupfer, D. 1996, p. 6
5 Schumpeter, J. 1943, p. 129.
6 Schumpeter, J. 1943, p. 110.
7 Possas, M. 1996, p. 76.
8 Rosenberg, N. 1982, p. 43
9 Schumpeter, J. 1943, p. 84
10 Dosi, G. 1988, p. 1127
11 Nelson, R. 1981, p. 105
12 PENROSE, E. T. The Theory of the Growth of the Firm. Basil Blackwell. Oxford, 1959.
13 Possas, M. L. 1983, p. 19
14 Hall, R. L.; Hitch, C. J. A Teoria dos Preços e o Comportamento Empresarial. In Clássicos de Literatura Econômica. Rio de Janeiro: Ipea/Inpes, 1988.
15 Kalecki, M. 1985, p. 8
16 Possas, M. L. 1983, p. 34
17 Possas, M. L.; Baltar, P.E.A. 1981, p. 17
18 Kalecki, M. 1985, p. 21
19 Possas, M. L. 1983, p. 196/III


Vol. 35 (Nº7) Año 2014
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