Espacios. Vol. 35 (Nº 6) Año 2014. Pág. 16


O Reforço das Sociedades de Controle a Partir do Paradigma das Tecnologias de Informação e Comunicação

Strengthening Corporate Control from the paradigm of Information Technologies and Communications

Danielle GUIZZO 1

Recibido: 03/04/14 • Aprobado: 23/05/14


Contenido

RESUMO:
Este artigo busca analisar criticamente o papel desempenhado pelas tecnologias de informação e comunicação (TIC) quando assumidas como um conjunto de dispositivos de segurança que contribuem para o reforço de certas técnicas de poder disseminadas no meio social. Estas tecnologias, na medida em que são assumidas como um paradigma tecnoeconômico, podem agir dentro da dinâmica da biopolítica e das sociedades de controle, gerando novos debates sobre como os dispositivos de segurança auxiliam na regulação e administração da vida a partir das investigações dos filósofos franceses Michel Foucault e Gilles Deleuze entre 1970 e 1990. Para isso será apresentada a trajetória das TIC com base nos escritos de Manuel Castells, seguida por uma análise teórica dos paradigmas e trajetórias tecnológicas a partir da perspectiva Evolucionária Neo-Schumpeteriana, mostrando como as TIC se consolidaram. Em um segundo momento, o artigo enfatiza o papel estratégico desempenhado por uma TIC específica – a tecnologia em rede – dentro das sociedades de controle contemporâneas, sendo assumida como um dispositivo de segurança que influencia na dinâmica estabelecida entre o poder, a população e a sociedade. Neste sentido, uma revisão crítica da economia evolucionária é feita em termos de se buscar novas fronteiras de pensamento que vão além da esfera econômica, uma vez que esta abordagem ignora elementos como as relações de poder e controle.
Palavras-Chave: Tecnologias de Informação e Comunicação; Sociedade de Controle, Economia Evolucionária Neo-Schumpeteriana.

ABSTRACT:
This paper aims to provide a critical analysis of the role played by information and communication technologies (ICTs) when taken as a security apparatus set which contribute to reinforce certain power techniques disseminated in society. These technologies, when taken as a technoeconomic paradigm, could act within biopolitics dynamics and control societies, leading to new debates over how security dispositifs help to regulate and administrate the population's life, as French philosophers Michel Foucault and Gilles Deleuze once asserted between 1970 and 1990. For that, a historical approach of ICTs based on Manuel Castells' work is followed by a theoretical analysis of technological paradigms and patterns from an Evolutionary-Neo-Schumpeterian perspective with an emphasis on how ICTs consolidated themselves. Secondly, the paper emphasizes the strategic role played by a specific ICT – network technology – within contemporary control societies when taken as a security apparatus, highlighting the dynamics settled among power, population and society. In this sense, a critical review of evolutionary economics is required in terms of going beyond the economic sphere, since this approach ignores elements such as power and control relations.
Key-Words: Information and Communication Technologies; Control Society; Evolutionary-Neo-Schumpeterian Economics.


1. Introdução

No final do século XVIII houve a entrada da vida como um objeto alvo das intervenções do Estado e das instituições sociais, políticas e econômicas ligadas a ele, trazendo consigo um conjunto de investimentos nas áreas da medicina social, estatística, economia e planejamento urbano. Esta tecnologia de poder específica – a biopolítica – visava regular e administrar os elementos biológicos da população, trazendo a questão da vida para a esfera estatal (FOUCAULT, 2010a, p. 152).

Para Gilles Deleuze (1992, p. 219), a sociedade de controle seria o modelo social vigente na contemporaneidade, que se fundou na prática da biopolítica por meio dos dispositivos de segurança, elementos heterogêneos que auxiliam no exercício de reforço do poder. Na visão de Deleuze, nesta sociedade existira a produção controlada das liberdades dos indivíduos e das populações, moldando seus desejos e minimizando os riscos e as inseguranças por meio de dispositivos estatísticos, militares, médicos, tecnológicos e econômicos, tornando os indivíduos controlados a partir de um jogo entre segurança e liberdade. Nele, permite-se que a população seja "livre" dentro de um determinado espaço de segurança, buscando evitar a sua exposição aos riscos e perigos.

Nesta dinâmica, os artefatos tecnológicos também podem ser considerados dispositivos de segurança por auxiliarem no exercício do poder. No caso específico das tecnologias de informação e comunicação (doravante TIC), Castells (1999, p. 67) inclui o conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware), telecomunicações e optoeletrônica. Dentre elas, deve-se destacar o papel atual da tecnologia em rede (Internet), que estabeleceu um novo contexto social na contemporaneidade e considerada neste artigo a principal tecnologia a ser investigada à luz da sociedade de controle.

Entretanto, estudar o regime tecnológico e econômico inaugurado pelas TIC implica também na análise sobre como elas emergiram e se consolidaram como um padrão aceito desde a década de 1980. Sob esta perspectiva, a abordagem da economia evolucionária neo-schumpeteriana se torna o referencial para compreender esta trajetória tecnológica, que por meio de uma analogia entre a biologia e a economia, enfatizou o elemento da mudança estrutural centrada na inovação, na racionalidade variável dos agentes e nas propriedades de auto-organização da firma (TIGRE, 2005). A vertente neo-schumpeteriana vem sendo adotada por grande parte dos tomadores de decisão de políticas científicas e tecnológicas, o que a tornou uma escola de pensamento dominante na atualidade e digna de ser investigada neste artigo.

Em função disso, o objetivo deste trabalho é analisar criticamente o papel desempenhado pelas TIC quando assumidas como um conjunto de dispositivos de segurança que auxiliam no reforço do modelo deleuziano das sociedades de controle, tomando a tecnologia em rede (Internet) como um caso específico cuja dinâmica "em rede" torna sutis e disseminadas as relações de poder e controle, criando um novo padrão entre liberdade e segurança. Neste contexto, compreender como as TIC emergiram representa um elemento essencial à compreensão destas tecnologias, e, portanto, o referencial evolucionário neo-schumpeteriano dá suporte à investigação aqui pretendida.

2. A Trajetória do Paradigma das TIC a partir da Perspectiva Evolucionária

Castells (1999, p. 67) argumenta que no final do século XX a sociedade vivenciou um dos raros intervalos de transformação tecnológica, no qual um novo paradigma emergiu: o das tecnologias de informação e comunicação (TIC). Sua emergência data da década de 1980 e atravessa a contemporaneidade, incluindo como indústrias-chave os computadores, produtos eletrônicos, softwares, telecomunicações e serviços de informação (FREEMAN, 1988; apud ROVERE 2006, p. 292).

A trajetória apresentada pelas TIC se encaixa na ideia de revolução tecnológica conforme abordado por Perez (2009, 189-190), uma vez que ela apresentou forte interconexão e interdependência dos elementos participantes nas tecnologias e nos mercados, além de ter a capacidade de mudar profundamente a economia e a sociedade.

A partir desta perspectiva, Rovere (2006, p. 289-291) defende que o paradigma tecnológico das TIC deve ser interpretado também pelo seu lado econômico, já que ele uniu combinações inovativas, técnicas, organizacionais e administrativas que induziram a novas oportunidades de investimento e lucro, além de possibilitar a emergência de novos ciclos econômicos fundados em novas trajetórias tecnológicas.

O paradigma das TIC se diferenciou dos demais paradigmas historicamente localizados pelo fato destas novas tecnologias terem sido capazes de criar uma interface entre campos tecnológicos mediante uma linguagem digital, gerando conhecimentos e formas de comunicação. Isto implicou, para Castells (1999, p. 68-69) na consolidação da mente humana como uma força direta de produção, influenciando no design das tecnologias que emergiram a partir de então.

Entretanto, outros elementos econômicos e conjunturais foram destacados pela literatura evolucionária neo-schumpeteriana para explicar o caso da emergência das TIC. Elas podem ser compreendidas a partir de alguns elementos principais destacados pelos neo-schumpeterianos, dentre eles: (i) inovações radicais e incrementais; e (ii) pluralidade do ambiente de seleção (TIGRE, 2005).

As inovações radicais, que inauguraram a trajetória das TIC, foram representadas em um primeiro momento pela difusão da microengenharia: a microeletrônica, os computadores e as telecomunicações, cujos antecessores científicos já podiam ser observados na década de 1940. Entretanto, para Castells (1999, p. 76-77), sua difusão se deu de fato a partir da década de 1970, em que o grande avanço na popularização da microeletrônica ocorreu com a invenção do microprocessador pela Intel, em 1971.

Isto pode ser compreendido à luz da perspectiva neo-schumpeteriana quando Perez (2009, p. 187) fala em inovações radicais e incrementais. No caso das tecnologias eletrônicas e de informação, apesar destas terem iniciado seu desenvolvimento em meados da Segunda Guerra Mundial – caracterizado como uma inovação radical, que deu início à tecnologia –, foi apenas na década de 1970 que elas se consolidaram e se difundiram após uma série de inovações incrementais cujo objetivo era sua melhoria e adaptação.

Segundo Perez (2009, p. 187), as inovações incrementais são igualmente importantes como a inovação radical, que introduziu o produto ou tecnologia, e têm impactos relevantes na produtividade e crescimento do mercado em que o artefato dotado de inovação se inseriu. O destaque dado por Castells (1999, p. 78-82) à trajetória inovativa das TIC revelou exatamente este padrão: as inovações dos microcomputadores, chips e softwares entre 1980 e final dos anos 90 foram essencialmente incrementais, e vieram acompanhadas por um aperfeiçoamento da infraestrutura – cabos ópticos, rádio e satélites – que auxiliou na consolidação das TIC (TIGRE, 2005, p. 207).

Em segundo lugar, o papel da pluralidade do ambiente de seleção está ligado à variedade das estruturas de mercado, da dinâmica do processo competitivo e de características institucionais dos ambientes nos quis as firmas se envolvem (TIGRE, 2005, p. 209). Isto se deve ao fato de que existem outros elementos para além da análise econômica ortodoxa que explicam o sucesso de um paradigma tecnoeconômico, como a interação entre as empresas, a estrutura de mercado em que estas estão inseridas, o aporte institucional e a relevância das rotinas e processos constantes de P&D na seleção das firmas e tecnologias aceitas pelo ambiente econômico (NELSON E WINTER, 1996).

Estes elementos institucionais, de interação, estrutura, rotinas e pesquisa auxiliam a situar o ambiente em que as TIC se desenvolveram. A análise de Castells (1999, p. 96-99) destaca as razões que justificaram a difusão das TIC especificamente nos EUA a partir da década de 1970, enfatizando: (i) a influência do setor militar no desenvolvimento de novas tecnologias, mostrando o papel das instituições; (ii) a interação entre as empresas situadas no Vale do Silício no final da década de 1950 dentro de uma mesma estrutura de mercado, o que criou um ambiente propício a novas rotinas de seleção e de pesquisa e desenvolvimento (P&D) (CASTELLS, 1999, p. 107).

Contudo, apesar dos elementos econômicos, políticos e institucionais terem sido bem delimitados pelos estudiosos da tecnologia e suas interações sociais, a relação entre tecnologia e poder ainda dá margem a diversas interpretações, principalmente no caso das TIC, que segundo Rovere (2006, p. 296 e 298), redefiniram as relações de comunicação, trabalho, de educação, qualificação de mão-de-obra e padrões de competição entre as firmas, tornando-as globalizadas. Cabe destacar o papel da tecnologia em rede, a Internet, como a principal tecnologia de informação e comunicação responsável por estas mudanças na contemporaneidade, tornando a comunicação realizada por meio da computação universal a partir da interconexão de dados em diversos formatos (CASTELLS, 1999, p. 89).

Estes efeitos sociais, políticos e de poder gerados pela tecnologia em rede e pelas TIC de maneira geral não são abordados pelos evolucionários neo-schumpeterianos, que carecem de análises mais amplas em termos da relação entre economia, sociedade e poder. Sobre isso, Silveira (2010, p. 63) afirma que apesar das tecnologias da informação darem a impressão de homogeneizar os comportamentos, as atitudes e as finalidades, a comunicação em redes digitais não eliminou as diferenças devido ao fato de as criações tecnológicas serem influenciadas pela visão crítica de seus criadores.

É sob esta perspectiva que será proposta uma reflexão crítica sobre a função desempenhada pela tecnologia em rede no âmbito das sociedades de controle contemporâneas, em que os elementos da vigilância, controle e administração da vida e comportamento dos indivíduos são postos em prática por meio dos artefatos tecnológicos.

3. A Sociedade de Controle na Contemporaneidade: O Papel dos Dispositivos

Os estudos de Foucault sobre a emergência de uma nova forma de poder no século XVIII, a biopolítica, inauguraram uma nova forma de pensar a população, o indivíduo, a sociedade e as intervenções feitas nelas. Com a biopolítica foi introduzido um novo grupo de saberes que auxiliavam no controle e manutenção das vidas da população, como a estatística, a demografia e políticas de natalidade. Neste sentido, a população emergiu não apenas como um problema político, mas como um problema biológico, científico e de poder, reconstituindo a noção de população e suas relações com a soberania (FOUCAULT, 2010a, p. 152-153).

A prática da biopolítica se dava, para Foucault (2008b, p. 09), por meio dos dispositivos de segurança [2], que detêm uma função estratégica: regular e gerenciar o corpo social pelas técnicas de segurança de controle que diferem das disciplinares. Os dispositivos podiam ser, por exemplo, médicos, estatísticos, econômicos, discursivos, institucionais, arquitetônicos, administrativos, morais, etc. (CASTRO, 2009, 124). No entanto, eles tinham um objetivo único: regular e gerenciar o corpo social pelas técnicas de segurança de controle que diferem das disciplinares.

Para Foucault (2008a, p. 90), na dinâmica estabelecida pelo capitalismo moderno a prática dos dispositivos de segurança inaugurou uma "cultura de perigo": criou-se um jogo entre segurança e liberdade para evitar ao máximo a exposição da população a riscos e perigos (desemprego, pobreza, degradação social, violência, terrorismo, xenofobia). Como consequência, os inúmeros procedimentos de controle, pressão e regulação emergiram na tentativa de proporem soluções para as intervenções necessárias do Estado no meio econômico, político, social e biológico. Não existia um conflito normativo entre a segurança e a liberdade, mas a liberdade era algo que poderia ser calculada e arranjada dentro de um espaço permitido (LEMKE, 2011, p. 45-46).

A consequência prática da instauração da biopolítica e dos dispositivos de segurança foi apresentada por Deleuze (1992, p. 219) na forma da sociedade de controle. Para o filósofo, a sociedade de controle foi um refinamento e uma expansão do conceito foucaultiano da segurança, já que esboçou uma sociedade contemporânea consolidada na prática da biopolítica.

Nesta sociedade existiria a produção controlada das liberdades dos indivíduos e das populações, moldando seus desejos e minimizando os riscos e as inseguranças por meio de dispositivos estatísticos, militares, médicos e econômicos. Não se buscaria a disciplinarização e o isolamento dos indivíduos por meio de coerções e confinamentos, mas torná-los regulados, seguros e livres dentro de um espaço de permissões.

Foucault (2010b, p. 172) argumenta que com as sociedades de controle passou a existir um "pacto de segurança" entre o Estado e a população que transgrediu os limites legais da intervenção designada à figura estatal. Coube ao Estado garantir o espaço de segurança da população por meio do conjunto de dispositivos de seguridade e, ao mesmo tempo, promover tanto a liberdade quanto o controle por meio do medo. Isto significa que existia uma necessidade pelo elemento do risco e da insegurança que tornava a população submetida às políticas de Estado e às instituições ligadas a ele (médicas, seguradoras, fundos de bem-estar).

A operacionalidade dos mecanismos de controle é enfatizada por Deleuze (1992, p. 223), que destaca o papel da informática e dos computadores como os novos dispositivos que auxiliaram no controle social. Ele argumenta:

[...] as sociedades de controle operam por máquinas de uma terceira espécie, máquinas de informática e computadores, cujo perigo passivo é a interferência, e o ativo a pirataria e a introdução do vírus. Não é uma evolução tecnológica sem ser, mais profundamente, uma mutação do capitalismo. É uma mutação já bem conhecida que pode ser resumida assim: o capitalismo do século XIX é de concentração, para a produção, e de propriedade. [...] Mas atualmente o capitalismo não é mais dirigido para a produção [...]. É um capitalismo de sobre-produção. Não compra mais matéria-prima e já não vende produtos acabados. O que ele quer vender são serviços, e o que quer comprar são ações. Já não é um capitalismo dirigido para a produção, mas para o produto, isto é, para a venda ou para o mercado. (DELEUZE, 1992, p. 223).

Se a evolução técnica dos dispositivos de segurança seguiu a trajetória determinada pelo capitalismo moderno conforme dito por Deleuze, que envolvia a inovação ou geração de novos artefatos, não se pode ignorar o papel das trajetórias tecnológicas como correlatas da sociedade de controle. E principalmente da função desempenhada pelas TIC na contemporaneidade, que implicam em novas formas de comunicação, liberdade e vigilância da população.

É neste contexto que o debate sobre a tecnologia em rede deve ser interpretado para além da perspectiva evolucionária neo-schumpeteriana. Ainda que variáveis institucionais, subjetivas e sociais sejam abordadas, os temas do poder, do controle e dos interesses são deixados de lado, ainda que passíveis de influências sobre o ambiente econômico.

A seção seguinte busca discutir a possibilidade da tecnologia em rede ser assumida como um dispositivo de segurança dentro da dinâmica deleuziana de poder estabelecida pela sociedade de controle, indo além da esfera econômico-evolucionária acerca dos artefatos tecnológicos.

4. A Tecnologia em Rede como Dispositivo de Segurança

Ao abordar o tema das TIC, Castells (1999, p. 68) assume que as revoluções tecnológicas foram frequentemente caracterizadas por sua penetrabilidade, ou seja, por sua capacidade de penetração em todos os domínios da atividade humana, não como uma fonte exógena de impacto, mas como o tecido em que essa atividade é exercida. Isto implica no fato mencionado por Perez (2009, p. 188): as melhorias tecnológicas feitas não influenciaram apenas o meio técnico-científico, mas o meio social, institucional e cultural como um todo ao remodelarem as capacidades de informação, comunicação e pensamento humano.

Sob esta perspectiva, a emergência do paradigma tecnológico das TIC na forma de uma revolução tecnológica trouxe consigo a reaplicação de artefatos antes usados para fins militares (comunicação e controle) e que agora são reinseridos no meio social e absorvidos pela sociedade civil (PEREZ, 2009, p. 189). A introdução e disseminação da Internet pode ser exemplificada como um caso de transferência de uma tecnologia antes usada com outros objetivos, modificando de forma permanente as relações econômicas, sociais e culturais.

Entretanto, apesar da literatura evolucionária neo-schumpeteriana ter destacado as consequências econômicas da emergência desta "economia do conhecimento" para os consumidores, as firmas e as instituições, enfatizando o papel da aprendizagem, P&D e da pluralidade dos ambientes de seleção, pouco se tem mencionado sobre os impactos das TIC e, mais especificamente, da Internet sobre a recondução das relações de poder na sociedade com estas novas formas de comunicação e informação. É neste sentido que uma crítica sobre a inserção e difusão da Internet como instrumento de controle deve ser feita para além do paradigma tecnoeconômico.

Se a Internet transformou as relações de poder na contemporaneidade, o que resultou na imposição de condutas e formação de novos sujeitos, estas relações não poderiam ser explicadas somente por imperativos econômicos e arranjos empresariais, mas por máquinas de expressão, direitos, saberes, linguagem e opinião pública, que também agiriam como forças influentes sobre este arranjo de controle (LAZZARATO, 2006, p. 64).

Ainda que o elemento da liberdade comunicativa da Internet seja destacado por estar além de fronteiras físicas ou econômicas, Silveira (2010, p. 65) reforça que não existe comunicação sem regulação, o que se pode verificar empiricamente nos bloqueios e rastreamentos feitos por instituições políticas e militares de diversos países. Mesmo que se tenha a ideia de que as tecnologias em rede emanam liberdade e de que a Internet é uma "terra sem lei", o que se tem notado são novos procedimentos de controle – como os protocolos TCP/IP – (SILVEIRA, 2010, p. 67 e 75), que fornecem meios mais sutis, disseminados e que se mascaram com a ideia de liberdade, assim como Foucault e Deleuze propuseram em suas investigações sobre o jogo entre liberdade e segurança presente na sociedade de controle.

Sob esta perspectiva Lazzarato (2006, p. 76-77) afirma que as sociedades de controle eram um lugar estratégico para o controle do processo de constituição do meio social. Nelas, as relações de poder se expressavam pela ação à distância de uma mente sobre a outra, pela capacidade de afetar os indivíduos, midiatizada e enriquecida pela tecnologia. Sendo assim, as tecnologias de ação à distância se tornaram o correlato da ação das sociedades de controle, absorvidas pelas instituições que promovem o controle, administração e regulação da coletividade com o uso da segurança e manutenção da liberdade individual como justificativas.

Desta maneira as tecnologias de informação e comunicação podem ser assumidas como um conjunto de dispositivos que auxiliavam no exercício e no reforço do poder, atuando como dispositivos de segurança dentro da dinâmica da sociedade de controle. Um destaque especial deve ser dado para a Internet por esta se constituir como a tecnologia em rede que melhor representaria os elementos de liberdade promovida pela tecnologia, estando aparentemente acima das fronteiras impostas pelo território, pelos governos e pelas regras econômicas.

No entanto a segurança emergiu como a contrapartida desta aparente liberdade fornecida pela realidade cibernética: os inúmeros e refinados mecanismos de vigilância tecnológica tornaram o controle reconfortante ao dar aos indivíduos a sensação de máxima liberdade quando se encontravam totalmente monitorados, anulando a capacidade de autonomia dos viventes (DUARTE, 2010, p. 113). Caberia, assim, um questionamento político, filosófico e ético sobre a relação do indivíduo com a tecnologia quando inserido num ambiente de controle. Sobre isso, Duarte conclui:

[...] é preciso compreender que não somos apenas utilizadores de aparatos tecnológicos, nem tampouco somos seus senhores absolutos [...]. Antes, os aparatos tecnológicos também nos empregam e utilizam ao determinar nossa subjetividade, definindo antecipadamente o modo e o horizonte no qual podemos nos relacionar com tudo o que há no mundo, incluindo-se aí as outras pessoas e nós mesmos. (DUARTE, 2010, p. 116).

Portanto, a complexa relação do sujeito com os artefatos tecnológicos, especialmente os desenvolvidos e aprimorados dentro do paradigma das TIC, tornou-se não apenas determinada pelo indivíduo, mas também influenciada, articulada e padronizada por um conjunto de aparatos que atuavam no estabelecimento e manutenção da sociedade de controle contemporânea.

5. Considerações Finais

Este artigo buscou propor uma análise crítica acerca das funções exercidas pelas tecnologias de informação e comunicação dentro do modelo deleuziano de sociedade de controle, destacando o papel da Internet como um caso empírico das complexas relações entre liberdade e segurança que os artefatos tecnológicos podem estabelecer. Assumiu-se que as TIC atuam como um conjunto de dispositivos de segurança pelo fato de atuarem como elementos que auxiliam no reforço e ampliação das relações de poder, especialmente entre o indivíduo e o corpo social em que ele se insere.

Um retorno à abordagem neo-schumpeteriana foi feito com o intuito de apresentar a trajetória histórica das TIC segundo esta perspectiva econômica, que assumia uma visão pluralista de certos aspectos da realidade econômica, como o papel das instituições, das inovações, da racionalidade dos agentes, do ambiente de seleção e da aprendizagem e da P&D. Muito se debateu a respeito da relevância das TIC quando assumidas como um paradigma tecnoeconômico, que proporcionou o surgimento de novas oportunidades de lucro, novos formas de produção e venda por parte das empresas e até novos ciclos econômicos fundados nas trajetórias tecnológicas.

Apesar de os evolucionários neo-schumpeterianos enfatizarem o papel de elementos não-convencionais da análise econômica, pouca ênfase foi dada à questão do poder gerada em torno das tecnologias, especialmente das TIC. Foi com base neste argumento que se propôs criticar a vertente evolucionária para além da economia, trazendo a contribuição da filosofia de Foucault, Deleuze e seus contemporâneos acerca da sociedade de controle.

Portanto, assumir a tecnologia em rede e as TIC como dispositivos de segurança implica no estabelecimento de novas relações de poder que reforçam o framing social contemporâneo fundado em técnicas de controle refinadas, disseminadas e associadas paradoxalmente ao ideal de liberdade.

Referências

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1 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Paraná (Brasil). Email para contato: guizzo@ufpr.br
2 Compreende-se por dispositivo uma rede de relações que pode ser estabelecida entre elementos heterogêneos que desempenham uma função estratégica no exercício do poder, nas práticas discursivas e não-discursivas e na produção do saber e da verdade. No caso específico dos dispositivos de segurança, estes atuam como correlatos das práticas biopolíticas, exercendo um conjunto de estratégias que interferem nos processos biológicos da população de maneira indireta (FOUCAULT, 2008b).


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