Espacios. Vol. 32 (3) 2011. Pág. 21


Produto, Consumidor e Joseph Beuys: aproximações e aprofundamentos

Product, Consumer and Joseph Beuys: approximations and deepening

Hayashi*:


Aprofundamentos, debates e discussões: Produto, consumidor, escultura social

Um dos primeiros pontos importantes sobre a aproximação da teoria de Beuys com a área do consumidor é perceber que a criação de valor e a vantagem competitiva da empresa não podem ser vista de maneira unilateral sem a validação e participação do consumidor. Ou seja, um bom produto não depende apenas do lado do produtor. É o consumidor que vai co-criar valor e verificar sua satisfação ou não segundo sua experiência de consumo. Caso haja uma boa relação produto-consumidor, bem como contexto favorável ao uso, o consumidor poderá ficar satisfeito e manter um estado de espírito favorável ao produto. Deste modo, é preciso perceber que há muitos elementos externos ao produto que podem interferir na satisfação do consumidor.

Para Beuys, cada pessoa é um artista, sendo que seus conhecimentos, habilidades e experiências passadas podem auxiliá-la na construção da obra. O mesmo parece acontecer do lado do consumidor. O consumidor leigo tem dificuldades em apreciar o produto, ficando, por exemplo, a situação de máxima assimetria de informação entre empresa-consumidor ruim para a empresa produtora. Deste modo, o consumidor não pode apreciar e valorizar o produto em toda a sua extensão.

Outro ponto importante é que a interação consumidor-produto vai se modificando ao longo do tempo. É como a gordura e feltro na arte Beuysiana. Se para Beuys a gordura é um material alquímico e que se altera com a aplicação do calor, pode-se dizer algo semelhante da interação produto-consumidor que tende a ir se “esfriando” conforme o produto deixa de ser novidade ou o ganho de satisfação vai diminuindo pelo consumo de unidades adicionais. Além disso, o dinamismo do consumo se encontra no próprio lema da destruição criativa de Schumpeter, ou no caráter quente do calor como princípio de circulação e evolução de Beuys. As mercadorias circulam e evoluem, passando muitas vezes por fases frias ou de reaquecimentos.

Ademais, o locus da escultura social é a mente, o pensamento, as ideias. O mesmo parece acontecer com a satisfação e com a avaliação do produto. É necessário ter em mente, formar uma imagem, ideia sobre o produto, suas qualidades e benefícios. Assim, o uso do produto e sua atuação de consumo acabam formando uma escultura social do consumo e a estética desta escultura está relacionada à própria satisfação do artista-consumidor. Isso pode nos remeter a própria questão do estado de espírito de Mowen e Minor (2003).

Deste modo, a satisfação do consumidor não é passiva em relação ao produto. Pelo contrário, não depende apenas e unicamente do produto, mas também da própria interação do consumidor e de suas habilidades, informações, conhecimentos, experiências prévias e outros recursos e competências que permitem maiores desenvolturas na confecção da escultura social. Assim, ganham as empresas que não apenas sabem envolver o consumidor, mas também ensiná-los a conhecer melhor o produto. É no momento hinc et nunc do consumo, o encontro entre produto-consumidor que vai se construindo as experiências e os estados de espírito da pessoa. Cada encontro, cada experiência pode ser única e particular, sendo que não apenas o produto e o consumidor influenciam o resultado, mas o próprio contexto sócio-econômico-cultural (EDVARSON et al., 2010; PEÑALOZA, s/d).

Conclusão

A relação produto-consumidor a ser constituída como construção e escultura social no momento “aqui e agora” (hinc et nun) ainda é pouco explorada e debatida no meio organizacional. A atenção maior é dada principalmente aos momentos ex-ante e ex-post consumo. Todavia, o momento do consumo é precioso, pois é neste tempo que as expectativas de compra, as avaliações prévias do cliente-consumidor se confrontam com o desempenho e a formação de sua satisfação ou não. Deste modo, a teoria da escultura social de Beuys, bem como seu conceito de arte ampliada pode auxiliar no destrinchamento e análise de tal aspecto.

O consumo é, temporalmente, um momento fugidio e fugaz, mesmo assim pode-se caracterizar a sociedade moderna como a sociedade do consumo, além da própria movimentação do capitalismo e a desmaterialização progressiva da riqueza. Ou seja, as relações sociais vão se sobressaindo em relação ao conteúdo material da mercadoria (SANTOS; GROSSI, 2008; CARCANHOLO, 2002).

A teoria de Beuys possibilita um outro olhar, uma maneira de se verificar como  relacionam a dupla produto-consumidor, cuja interação sofre influências não apenas das características físicas e fisiológicas dos integrantes, mas também de aspectos culturais, sociais, políticos, econômicos, históricos para a construção social e a escultura social.

Para Beuys, todo homem é um artista e ele precisa estar integrado no ambiente e consciente de seu papel e responsabilidade de preservação e desenvolvimento. Beuys teve influências da filosofia da antroposofia de Rudolf Steiner e por isso, valoriza o autoconhecimento e a multirresponsabilidade do ser humano pela sua vida, bem como a arte presente em cada momento do cotidiano (RODRIGUES, 2008). Ademais, aparece na teoria de Beuys a importância do pensamento e das ideias, mas não como mundos dissociados da prática. Pelo contrário, os pensamentos e ideias fazem parte da própria escultura social e é criação do ser humano que, também, por sua vez acaba  influenciando o próprio ser, auxiliando na formação do mundo em que vivemos.

Na área de consumo, Mowen e Minor (2003) enfatizam o aspecto do estado do espírito como resultado do uso e da atuação do consumo. Estados positivos estão ligados à satisfação ou impressões positivas sobre o desempenho e a validade da compra/consumo. O contrário também é válido. E assim como em Beuys, a relação produto-consumidor também sofre influencias de elementos externos.

O presente estudo tem como limitações a própria teoria da Beuys, bem como as dificuldades de ampliar o estudo para pesquisas quantitativas, por exemplo.

Como sugestão de pesquisas futuras, estudos etnográficos ou de cunho qualitativo com análise aprofundada de casos parecem ser promissores, bem como a relação da teoria de Beuys com as questões da teoria de fetichização da mercadoria de Marx. Outra área é a de serviços que vem ganhando destaque com a S-D logic de Vargo e Lusch (2004).

Referências

BACH, C. E. (2003); Como explicar arte a lebres mortas? Estratégias da arte no segundo pós-guerra: Tony Smith, Frank Stella, Donald Judd, Grupo Fluxus, Joseph Beuys e Andy Warhol. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

BATTCOCK, G. (1975); A Nova Arte. São Paulo: Perspectiva.

BORER, A. (2001); Joseph Beuys. São Paulo: Cosac &  Naify.

BOWMAN, C.; AMBROSINI, V. (2000); “Value creation versus value capture: towards a coherent definition of value in strategy”, British Journal of Management, V. 11, 1-15.

CARCANHOLO, R.A (2002); “Sobre a natureza do dinheiro em Marx”, Revista da Sociedade Bras. Economia Política, Rio de Janeiro, n. 11, dezembro.

DEMPSEY, A. (2003); Estilos, escolas e movimentos. São Paulo: Cosac & Naify.

EDVARDSSON, B.; TRONVOLL, B.; GRUBER, T. (2010); “Expanding understanding of service exchange and value co-creation: a social construction approach”,  J. of the Acad. Mark. Sci. April.

HATCH, M.; MEISIEK. (2007); The social sculpting of symbolic value: the case of Apple products. European Science Foundation - Exploratory Workshop, Italy:  Milan, 2007.

KOTLER, P. (2000);  Administração de Marketing. São Paulo: Prentice-Hall.

KOTLER, P.; ARMSTRONG, G. (1998).  Princípios de marketing. Rio de Janeiro: Prentice-Hall, 7º edição.

KRISHNAN, V.; ULRICH, K. T. (2001); “Product development decisions: a review of the literature”, Management Science, v. 47, n. 1.

LENDREVIE, J. ; LINDON, D.; DIONISIO, P.; RODRIGUES, V. (1993); Mercator: teoria e prática do marketing. Lisboa: Dom Quixote.

LUNDBERG, B. (s/d); Diálogos possíveis.  [online], s/d, [consulta: outubro/2010].  Disponible en la World Wide Web http://www.imediata.com/sambaqui/Bill_Lundberg/dialogospossiveis_port.html

MOWEN, J. C.; MINOR, M. S. (2003); Comportamento do consumidor. São Paulo: Prentice Hall.

PEÑALOZA, L. EDHEC (s/d). Marketing Research Centre - InteraCT: Marketing strategies and cultural approaches to consumption. [online], s/d, [consulta: outubro/2010]. Disponible en la World Wide Web http://faculty-research.edhec.com/jsp/fiche_pagelibre.jsp?CODE=65973040&LANGUE=1&RH=MaktgUKprog.

PHELPS, D. M.; WESTING, J. H. (1960); Marketing Management. Homewood (Illinois): Richard D. Irwin.

PORTUGAL, A.C.M. (2006); O pensamento de Joseph Beyus e seus aspectos rituais em ação. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

PRIDE, W. A..; FERRELL, O. C. (1993); Marketing: concepts and strategy. Boston: Houghton Mifflin.

REWOLDT, S. H; SCOTT, J.D.; WARSHAW, M.R. (1969); Introduction to marketing management. Homewood (Illinois): Richard D. Irwin.

RODRIGUES, J. (2008); Joseph Beuys – Um filósofo na arte e na cidade [online], 2008 [consulta: outubro/2010]. Disponible en la World Wide Web http://www.ipv.pt/millenium/Millenium25/25_24.htm.

SANTOS, A.M.dos; GROSSI, P.K. (2008); “Mídia, sociedade de consumo e saúde: quando comprar torna-se um remédio”, Boletim da saúde, 21, nº12, Agosto 2008.

SCHIFFMAN, L.G.; KANUK, L.L. (2000); Comportamento do consumidor. Rio de Janeiro: LTC.

SEDDON, G. G. (2005); A lógica poética de Joseph Beuys ou como reencontrar o própio destino através da arte. In: IV Encontro Larino-Americano dos Estados Gerais da Psicanálise.

SHETH, J.; MITTAL, B.; NEWMAN, B. (2001); Comportamento do cliente: indo além do comportamento do consumidor. São Paulo: Atlas.

TORRES, F.L. (2006); Yves Klein, Andy Warhol e Joseph Beuys: Lugares de melancolia. Tese de doutorado. Pontifícia Univesidade Católica do Rio de Janeiro.

VARGO, S.L.; LUSCH, R.F. (2004); “Evolving to a new dominant logic for Marketing”, Journal of Marketing, v.68, 1-17, January, 2004.

VELUDO-DE-OLIVEIRA, T.M.; IKEDA A. (2005); “Uso e limitações do método laddering”, Revista de administração Mackenzie - Ano 5, n. 1, pg. 197-222.

 


[anterior] [inicio]

* . Email:


Vol. 32 (3) 2011
[Índice]