Espacios. Vol. 32 (3) 2011. Pág. 11


Inovação organizacional e inovação de modelo de negócios: um estudo comparativo

Innovación organizacional e innovación del modelo de negocio: un estudio comparativo

Organizational innovation and business model innovation: a comparative study

Mariane Figueira, Eduardo Jardel Veiga Gonçalvez, Joel Yutaka Sugano y Andre Luiz Zambalde


4. Resultados e Discussão

4.1 Evolução dos Modelos de Negócios de Busca e Propaganda na Internet e o Surgimento da Google

Por toda a década de noventa, houve um grande e “desordenado” aumento do conteúdo da World Wide Web devido à popularização dos computadores pessoais. Nesse cenário, surgiu então uma forte necessidade de que este vasto conteúdo fosse organizado no sentido de facilitar a navegação para os usuários da Internet.

As ferramentas de busca da época, no entanto, empregavam algoritmos simples que ordenavam os resultados das buscas baseados, principalmente, na quantidade de vezes que determinadas palavras-chave apareciam nas páginas. Porém, este sistema era incapaz de classificar os sites pelo seu melhor conteúdo, pois na maioria das vezes, estes resultados eram enganados por spams (palavras escritas repetidamente e ocultas dentro do conteúdo das páginas), que “atrapalhavam” sensivelmente a ferramenta de busca na sua indexação.

Na mesma época, a maior parte do tráfego da Internet era dominada pelos grandes portais que conseguiam filtrar e produzir conteúdos diversificados dentro de seus domínios. Para estes, oferecer ferramentas de busca eficazes era de pouco interesse, como explica Battelle (2006) no trecho (01).

(01) “No final dos anos 90, a busca não era uma prioridade para a maioria dos executivos de Internet. A busca era apenas uma commodity - um atributo que era apenas satisfatório. (...) a meta não era expulsar as pessoas de seu portal, como fazia a busca, mas sim mantê-las nele.”

Devido ao seu grande tráfego, os grandes portais também atuavam como principais veículos de propaganda na Internet. Porém esta propaganda era incapaz de diferenciar o tráfego específico (ou seja, o tráfego cujos usuários estariam predispostos a agir em relação aos bens ou serviços de uma empresa), do tráfego indiferenciado (ou o tráfego comum que não se convertia em clientes para as empresas anunciantes). Como o grande volume de tráfego dos grandes portais era composto pelo tráfego indiferenciado, as empresas anunciantes não obtinham o retorno esperado para os investimentos que faziam em propaganda na Internet.

Na tentativa de contornar estes problemas surge a GoTo, oferecendo uma nova ferramenta de busca baseada em um modelo de negócios inédito, isto é, os resultados de busca obtidos eram os próprios anúncios de propaganda pagas. Para o usuário final isto possibilitou o combate de spams, pois resultados não intencionais eram eliminados, ao mesmo tempo em que para as empresas não ocorria o desperdício dos investimentos feitos, já que toda a propaganda ia de encontro com o tráfego específico. Além disso, no modelo da GoTo, os anunciantes só pagariam pela propaganda em função de seu desempenho, ou seja, o pagamento era efetuado quando ocorria a entrada efetiva de um usuário nos sites dos anunciantes através do link de propaganda, o chamado “custo por clique (CPC)".

O problema inicial da GoTo, no entanto, consistia na criação de massa crítica de anunciantes (ou uma reação em cadeia em que o volume de anunciantes cresce de forma automática atraídos pelos novos clientes) para preencher suas listas de resultados de busca, devido ao ineditismo do seu modelo de propaganda. A maior parte das empresas ainda não estavam convictas de que seus investimentos se converteriam efetivamente em novos negócios.

Nesse contexto, a GoTo implementou uma estratégia agressiva de criação de massa crítica, oferecendo o serviço de propaganda atrelado aos resultados de busca, ao custo mínimo de um centavo de dólar por clique. A empresa  acreditava que em pouco tempo as empresas começariam a competir pelos anúncios pagos, de forma que aquela que se dispusesse a pagar mais teria seu anúncio melhor classificado. Os resultados foram rapidamente observados. Em seis meses as receitas geradas pelo serviço de propaganda superaram as despesas de manutenção dos serviços.

Nessa mesma época, precisamente em janeiro de 1996, os jovens Larry Page e Sergey Brin começaram a trabalhar no projeto de doutoramento em Ciência da Computação na Universidade de Stanford que consistia na criação de uma ferramenta para Web denominada de BackRub cujo objetivo era assimilar as ligações entre os diferentes sites. Segundo Battelle (2006), BackRub seria:

(02) “um sistema que descobriria conexões na Web, faria a sua armazenagem para a análise e as replicaria de uma forma que possibilitasse a qualquer um ver quem estava se conectando a qualquer página na Web.”

Com o desenvolvimento do projeto BackRub, foi criado o algoritmo PageRank, capaz de contar todas as conexões entre os diferentes sites e em seguida ranqueá-las segundo sua ordem de importância. De acordo com o UP Blog (2007), a Google explica sua tecnologia PageRank conforme o trecho (03).

(03) “A classificação das páginas (PageRank) confia na natureza excepcionalmente democrática da Web, usando sua vasta estrutura de links como um indicador do valor de uma página individual. Essencialmente, o Google interpreta um link da página A para a página B como um voto da página A para a página B. Mas o Google olha além do volume de votos, ou links, que uma página recebe; analisa também a página que dá o voto. Os votos dados por páginas “importantes” pesam mais e ajudam a tornar outras páginas ‘importantes’.”

Baseados no PageRank e em outros aprimoramentos, denominou-se Google, a ferramenta de busca superior às demais ferramentas existentes na época. Page e Brin, seus criadores, tentaram licenciar a tecnologia para diversas empresas do Vale do Silício, mas sem obter sucesso, decidiram abrir uma empresa e em 7 de setembro de 1998 a Google Inc. foi formalmente incorporada.

Ao contrário da GoTo, o objetivo principal da Google não era somente prover uma ferramenta de propaganda, mas sim ser uma ferramenta de busca que, através de algoritmos avançados, ofereceria aos usuários da Internet os melhores resultados de acordo com o grau de relevância do conteúdo de cada site. Essa estratégia fez com que a empresa, em pouco tempo, conquistasse um volume intenso de tráfego.  Em apenas dois anos após sua fundação, a Google já respondia a aproximadamente sessenta milhões de buscas diárias.

Contudo, mesmo com a grande audiência conquistada, até fins de 2000, a empresa operava com receitas negativas por não possuir ainda um modelo de negócios sustentável. Com isso, na tentativa de reverter a situação, a Google lançou um novo serviço denominado AdWords, que Batelle (2006, p.107) descreve no trecho (04).

(04) “Em essência, a Google copiou a abordagem da GoTo, construindo um modelo de auto-serviço automatizado que permitia, aos anunciantes, comprar anúncios de texto on-line com cartão de crédito. Porém ao contrário da GoTo, a Google já tinha bastante tráfego para seus resultados de busca natural (resultados que classificavam os sites pelo melhor conteúdo) e Brin e Page fizeram questão de separá-los dos resultados de propaganda, uma distinção-chave da Google em relação à GoTo, que foi lançada como ferramenta puramente comercial.”

Em outubro de 2000, a Google introduziu o novo serviço, que chamou de AdWords, anunciando no site principal o novo serviço da seguinte forma: “Você tem um cartão de crédito e cinco minutos? Veicule hoje seu anúncio na Google”.

Como pode ser observado, o AdWords é um serviço no qual a Google veicula propagandas dentro de sua página de resultados, ou seja, um modelo de negócios semelhante ao da GoTo,  porém com uma crucial diferença: a separação entre os resultados de propaganda e os resultados de busca natural. Na prática, os AdWords estão dispostos no lado direito da página de busca da Google, conforme mostra a figura 1.

Figura 1: Visão dos resultados de busca natural e do AdWords da Google

Fonte: Página de resultados da Google

A Google estava ciente de que a maioria dos usuários interessava-se muito mais pelos resultados de busca natural do que por propaganda. Além disso, a empresa sabia que ao misturar estes dois tipos de resultados a qualidade de seus serviços poderia ser seriamente comprometida. Segundo Vise e Malseed (2007) o segredo da eficácia do modelo de negócios adotado pela Google é comentada por seus fundadores, Larry Page e Sergey Brin, no trecho (05).

(05) “A Google exibe somente anúncios de texto direcionados por palavras-chave. Isso significa que você não verá o anúncio a não ser que esteja buscando por informações sobre aquele tópico específico. E por isso não existirem banners animados competindo pela sua atenção, os anúncios de texto são lidos com cuidado pelos usuários, que, com freqüência, acham que eles são tão valiosos quanto os próprios resultados de busca.”

4.2 As Evoluções no Modelo de Negócios da Google

Um modelo de negócios não é estático. Ao contrário, ele é dinâmico e por isso a Google vem tentando se adaptar e criar continuamente novos valores para satisfazer as necessidades de seus consumidores.

Em 2003, por exemplo, a Google apresentou o AdSense, um serviço no qual, através do registro junto à Google, editores de sites permitem que anúncios de propaganda (geralmente de conteúdo correlacionados) da rede de anunciantes da Google apareçam ao lado do conteúdo de seus sites. Neste caso, o editor responsável por aquele site recebe uma porção de receita, gerada pelo clique de um usuário da Internet que for direcionado através do AdSense.

Segundo Battelle (2006) nesse novo serviço há uma diferença significativa em relação ao AdWords, já que o AdSense não é direcionado pelas consultas dos consumidores, baseados em intenções, mas sim pelo conteúdo de um site. O autor explica a suposição de que se um leitor estiver visitando um site a respeito de flores, por exemplo, os anúncios sobre flores das redes da Google serão os mais adequados.

Battelle (2006) afirma que AdSense foi, um grande sucesso, pois milhares de editores se inscreveram para usar o serviço, a maioria dos quais eram sites muito pequenos que anteriormente não tinham como transformar em dinheiro o pequeno número de tráfego que haviam acumulado. Nesse sentido, o AdSense criou uma importante rede de distribuição dos anúncios da Google diretamente dentro de sites independentes. O que caracterizou uma evolução no modelo de negócios da empresa, já que até então as propagandas eram veiculadas somente nos resultados de busca.

Desde então, a Google vem evoluindo seu modelo de negócios através da ampliação de seu portfólio de serviços oferecidos para os usuários da Internet. Isso acontece porque a cada novo serviço oferecido, a empresa consegue gerar mais tráfego e abre novos espaços para ampliar também seus serviços de propaganda. São exemplos disso, a veiculação de propagandas em novos serviços como o Gmail (serviço de e-mail) e o Orkut (site de relacionamento).

Outro exemplo ainda mais drástico na evolução do modelo de negócios da Google aconteceu em 2006, com a aquisição do site de vídeos YouTube pela Google. Em entrevista a Folha Online (2008), o presidente da Google do Brasil, Alexandre Hohagen, anunciou que nos Estados Unidos a empresa já está oferecendo uma nova modalidade de propaganda chamada in-video ad, que adiciona anúncios dentro dos vídeos do YouTube.

Nessa perspectiva, Siri (2008) aponta que atualmente o objetivo da Google como negócio é principalmente a propaganda online. Desta forma, os serviços da empresa, desde seu famoso buscador até sua plataforma de correio eletrônico, existem com a principal função de veicular anúncios publicitários de distintas categorias.

4.3 A Revolução Verde, os Agroquímicos e a Criação da Semente Geneticamente Modificada da Monsanto

Com o crescimento da demanda por alimentos após a Segundo Guerra Mundial, segundo Pringle (2003), os Estados Unidos, visando exercer seu domínio no mundo e combater o comunismo, investiram no aumento da produção agrícola de alimentos, alavancando a Revolução Verde – a utilização do pacote tecnológico da agricultura moderna – máquinas, implementos agrícolas, fertilizantes sintéticos, melhoramento de sementes e defensivos agrícolas, ou, agroquímicos.

Apesar dos benefícios indiretos à produtividade, a utilização em larga escala dos agroquímicos acarretou conseqüências drásticas, como centenas de casos de pessoas com intoxicação, o crescimento de populações de pragas devido às aplicações de nitrogênio e à resistência aos produtos químicos e a eliminação de predadores naturais (Pringle, 2003).

Visando minimizar os problemas mencionados e aumentar a produtividade agrícola de modo sustentado, segundo Wu e Butz (2004), surgiu nos de 1990 uma segunda revolução agrícola – a Revolução do Gene – na qual a biotecnologia agrícola possibilitou a produção das sementes geneticamente modificadas GM, ou, transgênicas. Essas plantas podem expressar um gene exógeno capaz de lhes conferir propriedades desejadas, que se encontram ausentes. Os benefícios das variedades de plantas transgênicas atualmente incluem o aumento da produtividade sem aumentar a área plantada, a redução de agrotóxicos e de fertilizantes, a redução da vulnerabilidade das plantas com relação aos fenômenos da natureza e a melhoria do conteúdo nutricional.

A Monsanto, uma empresa multinacional presente no Brasil desde 1951, foi uma das empresas que percebeu as características agronômicas especiais que a biotecnologia poderia conferir às plantas e acelerou seu programa de pesquisa e desenvolvimento com vistas à sua comercialização se tornando pioneira na criação de sementes transgênicas nos anos de 1980 (Hertz et al., 2001).

Apesar de ter como objetivo abastecer empresas farmacêuticas e manufaturar apenas a sacarina quando foi fundada em 1901 nos Estados Unidos, ao longo de sua trajetória histórica, a empresa foi continuamente levada a expandir seus negócios, tanto para enfrentar dificuldades como por meio de seu crescimento com o sucesso de seus produtos e a compra de empresas já estabelecidas em outros setores. Segundo Hertz et al. (2001), até os anos de 1970, a empresa já estava envolvida com fibras sintéticas, plásticos, resinas, produtos químicos, têxteis e, até mesmo, com mineração.

No ano de 1970, a síntese do glifosato – componente base do herbicida Roundup – por um pesquisador da Monsanto, seria relevante para os negócios da empresa, possibilitando a ampliação dos investimentos na área agrícola. De acordo com Hertz et al. (2001), o herbicida Roundup, estabelecido nos mercados mundiais em 1974, logo se tornou a commodity manufaturada mais lucrativa da empresa.

O sucesso do Roundup e problemas relacionados à restrição da quantidade de petróleo – chave para a fabricação de seus produtos – que entrava nos Estados Unidos colaboraram para que a empresa se inserisse no campo da biotecnologia agrícola no final dos anos 70, mudando seu enfoque (Hertz et al., 2001). Desde o início dos anos de 1980 a empresa passou a realizar pesquisas com plantas geneticamente modificadas visando substituir as aplicações de agroquímicos por plantas que tivessem sua autodefesa contra os insetos/pragas que atacavam as lavouras. No final de 1982, seus pesquisadores obtiveram sucesso na criação da primeira planta geneticamente modificada.

Até os anos de 1990, a Monsanto ainda estava inserida nas indústrias química, farmacêutica, agrícola e de alimentos, mas em 1997, resolveu se separar da área química e focou seus negócios na agricultura, passando a trabalhando com o desenvolvimento de sementes convencionais e geneticamente modificadas, biotecnologia e herbicidas. Lançou a soja transgênica Roundup Ready (RR), tolerante aos herbicidas à base de glifosato no mercado norte-americano em 1996 e no Brasil em 2005. Também lançou no Brasil algodão Bollgard, resistente a pragas da lavoura, em 2006. Em 2008, obteve a aprovação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança CTNBio para o plantio comercial do milho Guardian, resistente a insetos,em solo brasileiro (CTNBio, 2007). Os consumidores da empresa são os agricultores, ou produtores de grãos.

As novas sementes reengenheiradas da Monsanto introduziram uma nova forma de criar valor para o consumidor porque em um primeiro momento reduziram o gasto do agricultor com os inputs de produção e, em um segundo momento, trouxeram alguns benefícios inéditos (Kim e Mouborgne, 2005 e Mitchell e Coles, 2004). Esses benefícios estão relacionados à redução dos riscos quanto à toxicidade e à maior tranqüilidade e segurança do produtor, pois o número de aplicações de agrotóxicos e viagens ao campo para a aplicação desses produtos diminuiu. O entrevistado fala dos benefícios e do valor dessas sementes no trecho (06).

(06) “O que ocorreu, antes de tudo, foi a transferência do valor dos agroquímicos para as sementes. A partir do momento que se tem um gen de tolerância às lagartas, as sementes ganham um valor maior e diminui a utilização de inseticida. (...) A comercialização das tecnologias através das sementes altera a oferta valor ao consumidor geral na preservação do meio ambiente e futuramente através de melhores alimentos,  como a soja com maior teor de Omega 3,  por exemplo.”

A sociedade e o meio-ambiente, assim como o produtor, também foram beneficiados, pois com a redução da quantidade de agrotóxicos utilizados nas lavouras e, consequentemente das máquinas usadas para aplicar esses produtos, houve diminuição na quantidade de água utilizada para diluir os produtos e na quantidade de CO2 emitido. As substâncias tóxicas lançadas no meio ambiente também se reduziram.

É importante notar que os produtos da biotecnologia causaram um forte impacto nos negócios dos atores envolvidos, uma vez que diminuíram os custos e o tempo da chegada dos produtos ao mercado. O exemplo mais popular são as plantas resistentes a herbicidas e a pestes. As vendas de pesticidas caíram drasticamente abalando os negócios de empresas no setor (Vanhaverbeke, 2005).

4.4 Mudanças, Criação de Competências e de Componentes no Modelo de Negócios da Monsanto

Quando a Monsanto decidiu investir na biotecnologia agrícola no início dos anos 80, percebeu que era relevante adquirir novas competências e ativos (Teece, 2007) que seriam cruciais para que as sementes transgênicas chegassem a ser comercializadas no futuro. Essas competências envolveram principalmente os investimentos em pesquisa e desenvolvimento, o veículo que permitiria a chegada dessa tecnologia até o consumidor e a capacidades organizacionais que seriam encarregadas de informar a sociedade e os consumidores sobre a nova tecnologia. No trecho (05) o entrevistado menciona a nova necessidade relacionada à pesquisa.

(07) “Vendíamos plásticos, borrachas. O que é a característica de uma empresa que vende isso? Máximo volume possível e menor custo, como qualquer commodity. Aí, quando você convence o teu board de aconistas que o teu negócio tem que ser biotecnologia, você vai para uma necessidade tecnológica muito diferente. Você tem que montar laboratório, tem que espalhar isso pelo mundo inteiro.”

Visando comercializar a tecnologia da transgenia por meio das sementes, a Monsanto precisou modificar elementos em seu modelo de negócios como exposto na figura 2.

Figura 2: Mudanças nas competências e ativos da Monsanto impactando as proposições de valor e os relacionamentos com o consumidor

Fonte: Elaborada pelos autores

 

Além dos laboratórios e pesquisadores uma competência chave para a empresa foi adquirida com as empresas de sementes. Quando a Monsanto descobriu o gene que tornava a planta resistente aos herbicidas, precisava do veículo (a semente) para entregar esse valor ao agricultor, então ingressou em uma série de aquisições de empresas nos anos 90, como a Cargill, a Agroceres e a Braskalb (Monsanto em ação, 2001).

Outra capacidade que precisava ser criada visava reparar a ausência da empresa com relação à comunicação e à informação sobre o que eram os produtos transgênicos nos anos 90 e sua falta de previsão sobre o modo como o público receberia a novidade. Segundo Pringle (2003), nos anos 1990, uma guerra alimentar teve início entre o agronegócio e um grupo de diversos ativistas nos países desenvolvidos. Ambientalistas, produtores, entre outros, protestaram contra a nova tecnologia e a pretensão do agronegócio de adulterar os alimentos. Nesse contexto, a Monsanto precisou melhorar suas competências no setor da comunicação.  

Outras mudanças e evoluções que ocorreram no modelo de negócios da empresa após a criação das sementes transgênicas estão relacionadas à complexidade e aos riscos enfrentados pelas empresas nos processos de inovação (Fortuin, 2006).

Apesar da percepção dos benefícios das sementes transgênicas, quando essa inovação foi lançada no mercado norte-americano em 1996, a Monsanto enfrentou dificuldades para explicar para o agricultor que as pesquisas que desenvolveu resultaram em benefícios e que a empresa tinha direito de receber por sua tecnologia, como explica o trecho (08).

(08) “Aí vem um problema, o modus operandi do agricultor é muito simples: vou lá, compro semente, compro fertilizante, compro os meus produtos, faço a minha lavoura, pago por isso e tudo bem. E, nesse meio tempo, chega a Monsanto e diz assim: ‘Espera! A partir de agora, neste pedaço seu aqui da semente, eu vou trazer daqui da biotecnologia uma coisa nova! E aí vem a dificuldade.”

No Brasil, outros problemas com os quais a Monsanto se deparou envolveram questões ligadas à proteção da tecnologia e à apropriação de valor (Teece, 2007). A possibilidade do agricultor salvar sua semente para semeadura futura, resguardada pela Lei brasileira de “Proteção de Cultivares” (Reis, 2005) e, ainda, à perpetuação das informações genéticas nas sementes RR contribuíram para o plantio ilegal dessas sementes no sul do Brasil e também levaram a empresa a realizar mudanças no modelo de negócios.   

Apesar de requerer a aprovação da soja RR para plantio comercial no Brasil em 1997, de acordo com Bell e Shelman (2006), a Monsanto não conseguiu receber pela tecnologia até 2004. Em 1998, o plantio e a comercialização da soja RR, foram proibidos em solo brasileiro. Contudo, os agricultores, no sul do Brasil, ignoraram a lei e adotaram a soja transgênica, criando um mercado ilegal. Essas sementes eram contrabandeadas da Argentina, guardadas e utilizadas no ano posterior.

 A solução que a Monsanto encontrou para o problema foi a criação de um sistema de recebimento de receitas que ficou conhecido como Ponto de Entrega (POD), point of delivery em inglês. Tendo em vista que a soja não é um produto consumido in natura, e que os produtores de soja têm a necessidade de comercializar sua produção, esse sistema permitiu mapear a cadeia e dividiu o modelo comercial da soja em duas partes: os agricultores que compram e plantam a semente e os pontos em que a soja dos agricultores é entregue chamados de traders. Também possibilitou identificar os agricultores que plantam utilizando semente nova ou semente salva.

O sistema foi acionado no sul do Brasil em janeiro de 2004. Sob o sistema de cobrança do POD, todo armazém foi tido como um agente da Monsanto. Quando o agricultor decide entregar seus grãos para uma empresa ou para uma cooperativa, a cooperativa pergunta se a soja é ou não transgênica. Se o agricultor afirmar que a soja é transgênica, ele assume que, no momento em que comercializar essa soja, irá autorizar um desconto no valor do royalty. O armazém, nesse sistema, se tornou o responsável pelo pagamento a Monsanto. Quando o agricultor compra a semente de soja transgênica ele fornece seus dados referentes ao CPF e ao cadastro do produtor, o volume e o tipo de semente (Reis, 2007). Essas informações são disponibilizadas a todos os participantes do sistema (multiplicadores, traders e cooperativas) no momento da entrega, comercialização e compra de sementes.

Com a comercialização do algodão Bt, resistente a pragas da lavoura, a Monsanto criou um sistema semelhante ao POD, chamado de Sistema de Cobrança de Indenização.

4.5 Google e Monsanto: inovação organizacional, ou, inovação de modelo de negócios

Como exposto na figura 3, no caso da Google, a criação de uma ferramenta de busca que oferecia aos usuários da Internet a classificação dos resultados de busca de acordo com o grau de relevância do conteúdo de cada site e a conquista natural do tráfego por meio da separação do conteúdo dos sites entre os resultados de busca natural e os resultados de propaganda constituíram criação de valor inédito para os consumidores da empresa, e uma posição de destaque com relação aos concorrentes.

No caso da Monsanto, praticamente todas as empresas, nos anos 70 e 80, da área agrícola, trabalhavam com o desenvolvimento de moléculas de agroquímicos. Nessas empresas os cientistas produziam moléculas de inseticidas, fungicidas, herbicidas, produtos para a agricultura e lançavam esses produtos no mercado de acordo com a curva de maturação de cada um deles. A Monsanto identificou um campo que possibilitou tornar a concorrência irrelevante quando revolucionou a forma de oferta valor com as sementes transgênicas – que incorporaram o valor dos agroquímicos.

A figura 3 mostra a comparação entre as empresas estudadas e suas concorrentes e permite avaliar se ocorreu a inovação de modelo de negócios na Google e na Monsanto. As dificuldades enfrentadas pela Google que ainda operava com receitas negativas em seus primeiros dois anos e o problema da Monsanto relacionado à cobrança de royalties, estão relacionados ao que Chesbrough e Rosenbloom (2002) notaram sobre a importância da adaptação do modelo de negócios de uma empresa à inovação.

A tecnologia da Google evoluiu e gerou os subprodutos AdWords e AdSense que geraram receitas lucrativas e permitiram a apropriação de valor. Já a Monsanto desenvolveu o sistema do ponto de entrega que garantiu sua participação em parte do valor que havia criado.

Figura 3: Evoluções nos modelos de negócios da Google e da Monsanto em relação a seus concorrentes

Fonte: Elaborada pelos autores

As mudanças observadas nos modelos de negócios das duas empresas estudadas constituem as seguintes formas de inovação de modelo de negócios, como especificado por Giesen et al. (2007): i) inovação no modelo de industria - que pode envolver o desenvolvimento de indústrias ou segmentos de indústrias completamente novos como ocorreu com nos setores das ferramentas de busca na Internet com a Google e no campo da biotecnologia agrícola com a Monsanto, revelando espaços e ativos ainda inexplorados no ambiente competitivo e ii) inovação no modelo de receitas – envolvendo inovações em como as empresas geram receitas, reconfigurando as suas ofertas (produtos, serviços, valor), se mostrando uma dimensão que pode alavancar novas tecnologias e atender as preferências e escolhas dos consumidores.

Se observada a inovação no modelo de receitas, a Google desenvolveu novos meios de gerar receitas e se apropriar de parte do valor que estava criando com instrumentos como o AdWords, o Ad Sense e anúncios no Gmail, Orkut, YouTube e em outros portais. No caso da Monsanto, o desenvolvimento dos modelos de recebimento de receitas do ponto de entrega e do sistema de cobrança de indenizações foram as respostas que a empresa precisava para conseguir cobrar por sua tecnologia e se apropriar de parte do valor da inovação das sementes transgênicas.


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