Espacios. Vol. 32 (2) 2011. Pág.20

Determinantes da propensão ao endividamento: Um estudo nas mulheres da Mesorregião Centro Ocidental Rio-Grandense

Propensión a determinantes de endeudamiento: Un estudio de la mujer en la región Centrooccidental Riograndense

Determinants of propensity to debt: A study of women in theMesorregião Centro Ocidental Rio-Grandense

Larissa de Lima Trindad, Kelmara Mendes Vieira, Paulo Sérgio Ceretta, Everton Anger Cavalheiro


5 Considerações Finais

Este estudo buscou analisar a influência dos fatores comportamentais, demográficos e psicográficos na propensão ao endividamento nas mulheres da Mesorregião Centro Ocidental Rio-grandense. Para isso foram aplicados 2.500 questionários espalhados estatisticamente entre os 31 municípios que compõem esta Mesorregião. No que tange ao perfil, ressalta-se que a idade média das entrevistadas é 37,22 anos, a maioria é casada, possui pelo menos 1 filho e 66,2% da amostra pesquisada possui residência própria. No que se refere a raça a maioria se considera da raça branca (81,8%) e de ascendência brasileira, a religião mais encontrada entre as entrevistadas foi à religião católica e 42,8% das mulheres já concluíram o Ensino Médio.

Com relação aos aspectos de renda, constatou-se que a maioria é empregada assalariada e possui renda individual entre R$ 488,00 a R$ 1.194,00, não recebe ajuda financeira e 60,2% possuem algum tipo de dívida, sendo que o crediário e o uso do cartão de crédito foram as mais referenciadas. Entre os gastos a maioria afirma gastar menos do que ganha, mas assumiram que apenas algumas vezes ou raramente poupam o que pode representar certo sentido de negação à dívida.

Os dados foram analisados por meio de análise fatorial, testes estatísticos (Anova e Teste t) e análise de regressão. Ao total foram encontrados 9 fatores, sendo que 7 fatores referem-se a ESD (Status Social, Preocupação, Estabilidade, Prazer, Poder, Orçamento e Ilusão)  um fator definido como Materialismo e um fator para a Propensão ao Endividamento. Entre os fatores que mais se destacaram está o Fator Orçamento (7,731) com maior média, representando que as maiorias das mulheres associam a importância de controlar seus gastos com dinheiro. As mulheres, em média, também possuem níveis baixos de materialismo e propensão ao endividamento. Os níveis baixos de aptidão para a dívida e para o materialismo, podem ser explicados pelos próprios aspectos da colonização da mulher gaúcha e do próprio nível de instrução financeira destas. Observa-se ainda que as mulheres de Santa Maria  apresentam maior disposição para a dívida do que aquelas que se encontram no entorno., este resultado pode ser fruto do baixo nível de renda presente nestas pequenas cidades.

As análises de variância aplicadas para o fator Propensão ao Endividamento rejeitaram a hipótese nula. As maiores médias, no que tange a propensão ao endividamento, estavam presentes nas mulheres da religião evangélica (outra), de ascendência brasileira, da raça negra, com menores rendas individuais e familiares, com ensino fundamental completo, na ocupação de empregada doméstica, naquelas mulheres que recebem ajuda financeira do governo e que assumiram gastar mais do que ganham e nunca economizarem. Individualmente cada um destes resultados corroboram com os pressupostos esperados na pesquisa. E, em conjunto, demonstram que a propensão ao endividamento atingiu mais fortemente as mulheres de baixa renda, maioria na sociedade brasileira, que diariamente enfrentam vulnerabilidades financeiras.

A regressão linear múltipla atingiu um percentual de explicação de 39,1 % da variável dependente, resultado obtido através de 7 variáveis independentes, Fator Materialismo, Fator Preocupação, Fator Orçamento, Dummy Possui Dívidas, Fator Poder, Dummy Possui Dívidas em Atraso e Dummy Ascendência. Destaca-se que o Fator Orçamento interfere na aptidão para dívida com sinal negativo, ou seja, à medida que este aumenta a Propensão ao Endividamento diminui.

Constata-se que as mulheres ao ganharem maiores espaços no mercado de trabalho e aumentaram o seu poder de decisões, principalmente no universo doméstico. Muitas assumem ao mesmo tempo a decisão sobre o endividamento e o risco de se endividar, por outro lado, para uma parcela das mulheres pesquisadas parece que não existe o direito a “decisão de endividar-se” já que o endividamento para estas parece ser uma “necessidade”, principalmente devido as vulnerabilidade sociais e econômicas que estão sujeitas.

Ressalta-se ainda que os resultados obtidos, na sua maioria, confirmaram os pressupostos das teoriassobre endividamento e da influência das variáveis estudadas. Este estudo ajuda a corroborar com as teorias das Finanças Comportamentais, uma vez que demonstra quantitativamente que as decisões que evolvem endividamento são influenciadas por variáveis comportamentais, psicológicas e demográficas.

Do ponto de vista da gestão financeira este trabalho chama a atenção para a importância de fatores/variáveis demográficas, culturais e valores na propensão ao endividamento. O reconhecimento destes elementos pode ajudar na construção de modelos de concessão de crédito mais robustos e consequentemente auxiliar na redução dos níveis de inadimplência da população.

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