Espacios. Vol. 32 (1) 2011. Pág. 36

Análise da paisagem por Sistemas de Informação Geográfica (SIGs) e métricas de paisagem como subsídio para tomada de decisões em nível ambiental

Landscape analysis by Geographic Information System (GIS) and landscape metrics as an aid to decision-making in environmental level

Alexandre Ducatti, Eduardo Périco, Úrsula Arend, Gisele Cemin, Claus Haetinger, Claudete Rempel.


Mapeamento das áreas florestadas e não florestadas

Para a obtenção das áreas florestadas e não florestadas da bacia, as imagens de satélite foram classificadas utilizando o algoritmo supervisionado de Máxima Verossimilhança Gaussiana (Maxver). Esse classificador utiliza apenas a informação espectral de cada pixel para definir regiões homogêneas (Ponzoni e Chimabukuru, 2007). Sobre uma amostra de composição colorida da imagem, treinou-se o classificador procurando compreender toda a variação dos níveis de cinza das áreas florestais. As imagens temáticas resultantes das áreas florestais, para os anos analisados, foram validadas de forma heurística e com pontos de controle terrestres medidos em campo.

O restante da área da bacia não identificada pelo classificador como área florestada foi classificada como área não florestada, excluindo-se a malha hidrográfica formada pelos rios Forqueta, Forquetinha e Fão.

Os mapas de uso e cobertura do solo dos anos de 1989 e 2008 foram submetidos à função Convert do Idrisi, convertendo o arquivo de formato raster binário para o formato de arquivo raster ASCII. Os arquivos raster ASCII foram submetidos ao software Fragstats 3.3, gerando os dados relativos aos índices que quantificam a classe de uso e cobertura do solo referente a áreas florestadas e não florestadas.

Resultados e Discussão

A Tabela 2 apresenta os índices gerados pelo software Fragstats para a análise das áreas florestada referente aos anos de 1989 e 2008.

Tabela 2. Área total da classe Área Florestada, nos anos de 1989 e 2008, na bacia hidrográfica do rio Forqueta, RS.

Parâmetro Descrição da métrica Ano Área da classe (ha) %
CA Área total da classe
1989
60.896,61
21,39
2008
109.597,86
38,51

Verifica-se que a área da bacia ocupada pela classe área florestada passou de 21,39% em 1989 para 38,51% em 2008. Esses índices indicam um acréscimo de 79,9% sobre o total de área florestada de 1989 para 2008, apresentando um incremento médio de 6,7% de floresta por ano. Parte desse incremento na área florestada pode ser explicado pela economia da região. A bacia em questão abrange, parcial ou totalmente, 20 municípios. Com exceção de um (1) município que apresenta em torno de 98% de área urbana, os demais são pequenos municípios, alguns emancipados após 1989 (quatro em 1989, cinco em 1993, um em 1997 e dois em 2001), que apresentam uma economia baseada na agricultura, estruturada em pequenas propriedades rurais, com tamanho médio de 12,5 ha. Em média esses municípios diminuíram em 40,67%% sua população rural no período de estudo (ou desde sua emancipação até 2008) (FEE, 2009), o que indica a recuperação de áreas de agricultura e pastagens que foram abandonadas (Périco, 2009).

A Tabela 3 apresenta o índice referente ao tamanho dos fragmentos em cada um dos anos avaliados.

Tabela 3. Tamanho dos fragmentos florestais nos anos de 1989 e 2008, na. bacia hidrográfica do rio Forqueta, RS.

Métrica
Área (ha)
1989
2008
nº frag.
%
nº frag.
%
Tamanho dos fragmentos < 1
6718
62,32
4559
61,34
1 a 10
3240
30,06
2365
31,82
10 a 20
354
3,28
228
3,07
20 a 30
133
1,23
93
1,25
30 a 40
68
0,63
49
0,66
40 a 50
68
0,63
49
0,66
>50
214
1,99
115
1,55
Total
10779
100
7432
100

Analisando a tabela 3 verifica-se que ocorreu diminuição no número de fragmentos, entre 1989 e 2008, em todas as faixas de tamanho de fragmentos analisadas. O teste do qui-quadrado indicou diferenças significativas (X² = 13,793, p =0,0331) entre o tamanho dos fragmentos e os dois períodos analisados, a análise de resíduos mostrou diferenças significativas (p < 0,05) entre os tamanhos de 1 a 10 ha e maiores que 50 ha. Na faixa de 1 a 10 ha, ocorreu um acréscimo de 27%.

A Tabela 4 apresenta as métricas dos fragmentos da classe área Florestada analisadas pelo software Fragstat.

Tabela 4. Métricas dos fragmentos da classe Área Florestada nos anos de 1989 e 2008, na. bacia hidrográfica do rio Forqueta, RS.

Índice Descrição da métrica Ano
1989 2008
NP Número de Fragmentos 10779 7432
PD Número de fragmentos da classe em 100 ha 3,78 2,61
LPI Porcentagem da paisagem ocupada pelo maior fragmento (%) 0,49 6,99
AREA-MN Área média dos fragmentos (ha) 5,65 14,75
ENN-MN Distância média dos frag. mais próximos (m) 125,87 119,61
SHAPE-MN Índice de forma médio (≥1, sem limite) 1,36 1,31
CORE-MN Área média de interior (ha) 3,26 10,42
TCA Área de interior total (ha) 35115 77439

Analisando a Tabela 4, observa-se que ocorreu um decréscimo de aproximadamente 31% na quantidade de fragmentos de 1989 (10.779) para 2008 (7.432). Esse resultado influenciou o índice PD que representa a densidade de fragmentos, o qual mostrou um adensamento maior em 1989 por haver mais fragmentos dentro de uma mesma área comparada com 2008. A percentagem da área da bacia ocupada pelo maior fragmento (LPI) demonstrou um aumento significativo, passando de 0,49% (1989) para 6,99% (2008), assim como a área média dos fragmentos que passou de 5,65 ha para 14,75 ha.

A distância média entre os fragmentos mais próximos demonstrou declínio de 125,87m em 1989 para 119,61m em 2008. Barros (2006) cita que quanto menor a distância entre dois fragmentos, maior a taxa de recolonização pela imigração de indivíduos de outras populações e também maior mobilidade de dispersores e polinizadores.

Em ecologia de paisagem, o estudo da forma dos fragmentos é importante, pois ela influencia inúmeros processos ecológicos, tais como a migração de pequenos mamíferos e a colonização de plantas de médio e grande porte, bem como influencia estratégias de fuga de certos animais (Volotão, 1998).

O índice Shape mede a complexidade da forma do fragmento comparada a um círculo ou a um quadrado. Na utilização de dados matriciais, são considerados os cantos dos pixels. Desta forma, quando o fragmento representa exatamente um pixel, esse valor se aproxima de 1,0, indicando que o fragmento aproxima-se de um quadrado (Vidolin, 2008), sendo que quanto mais recortado e com menos área, maior o valor deste índice. A forma dos fragmentos nos dois anos analisados são muito semelhantes, indicando um formato que se aproxima do retângulo. Fragmentos com essa forma funcionam como caminhos para o movimento de espécies ao longo da paisagem, podendo ser importantes funis ou concentradores de movimentos de animais (Forman & Godron, 1986).

O principal aspecto da forma, entretanto, é a relação da área nuclear do fragmento com a margem, pois fragmentos muito irregulares estão mais suscetíveis aos efeitos da borda, principalmente os que possuem áreas menores em razão da maior interação com a matriz (Vidolin, 2008). Com o aumento do efeito de borda tem-se, proporcionalmente, a diminuição da área nuclear desses fragmentos, o que em curto, médio ou longo espaço de tempo irá influenciar na qualidade da estrutura desses ecossistemas (Valente, 2001).

As métricas de área central (CORE) são medidas da qualidade de habitat, pois indicam quanto realmente existe de área efetiva em um fragmento, após excluir o efeito de borda. Neste trabalho foi considerado um efeito de borda de 30 metros, como sugerido por Rodrigues (1998) e Périco & Cemin (2006) e, considerando a conservação observada do entorno do fragmento.

Verificando a Tabela 4 percebe-se um significativo aumento no total de área de interior (TCA) passando de 35.115 ha, representando 57,6% do total da área florestada, em 1989 para 77.439 (70,6%) em 2008. A área de interior média (CORE_MN) também apresentou um aumento considerável o que se justifica pelo aumento do tamanho dos fragmentos. Em relação ao tamanho dos fragmentos, Barros (2006) afirma que quanto menor a área, maior a influência dos fatores externos, de modo que a dinâmica do ecossistema torna-se favorável às variações ambientais.

A figura 2 apresenta a classe de mata na bacia do Rio Forqueta nos dois anos estudados. Pode se observar um aumento de mata, principalmente a agregação de área pelos fragmentos já existentes, o que possibilitou a união de fragmentos antes separados .

Figura 2. Mapa da classe mata da Bacia hidrográfica do rio Forqueta, RS em 1989 e 2008

Considerando as métricas apresentadas na tabela 4 e analisando a figura 2, observa-se não apenas um aumento da quantidade de área florestada, mas também indicativos de uma melhor qualidade ambiental. Em 2008 ocorreu um menor número de fragmentos e a presença de áreas maiores, o que influencia a dinâmica populacional (Saunders et. al.,1991), menor distância entre os fragmentos, o que facilita a formação de corredores naturais e, conseqüentemente, o fluxo gênico e a manutenção de espécies que se estruturam como metapopulações (Salek et. al., 2009) e, por último, um aumento nas áreas nucleares, que são essenciais para manutenção de populações de espécies não oportunistas (Tigas et. al,.2002) e dos processos ecológicos.

Conclusões

A configuração da fragmentação florestal da bacia hidrográfica do Rio Forqueta apresentou alterações significativas, entre os anos de 1989 e 2008. Essas modificações mostram-se positivas quanto ao aspecto ambiental, pois favoreceram o aumento das áreas nucleares, onde os processos ecológicos ocorrem com mais integridade, bem como a formação de corredores naturais. A metodologia aplicada demonstrou ter alcançado os objetivos propostos, conseguindo evidenciar claramente os valores dos índices pesquisados para posterior análise da fragmentação da bacia de forma eficiente. As ferramentas de análise são úteis para tomada de decisão, em nível regional, para delimitações de possíveis áreas e corredores para manutenção da fauna e flora e estabelecimento de sistemas agrosilvopastoris.

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