Espacios. Espacios. Vol. 31 (1) 2010. Pág. 13

Políticas Públicas e a Inovação em Subsidiárias de Empresas Multinacionais: uma Avaliação da Lei de Informática Brasileira

Políticas Públicas y la Innovación en Subsidiarias de Empresas Multinacionales: una Evaluación de la Ley de Informática Brasileña

Public Policies and Innovation in Subsidiaries of Multinational Companies: an Assessment of the Brazilian Informatics Act

Eva Stal


2. Referencial Teórico

2.1 A inovação nas subsidiárias das empresas multinacionais

Diversos trabalhos examinaram os fatores associados às diferenças no papel das subsidiárias de EMNs, e três perspectivas concorrentes são dominantes (Birkinshaw, Hood, Jonsson, 1998). A primeira é a do determinismo ambiental, e defende que cada ambiente tem suas próprias características, sendo o papel da subsidiária função do ambiente local. Se o país for estrategicamente relevante, ou houver grande dinamismo do mercado – consumidores, fornecedores e concorrentes – a subsidiária terá um papel importante.

A segunda perspectiva defende que o papel da subsidiária é atribuição da matriz, responsável pela estratégia global da empresa, que pode melhor definir os papéis de cada filial. A terceira perspectiva considera a escolha da subsidiária, em que esta compreende o mercado local e suas capacidades, e está em melhor posição que a matriz para definir o seu papel. Nesta perspectiva, os recursos e capacidades específicos da subsidiária, as aspirações do gerente/diretor e a iniciativa e esforço dos funcionários é que determinam o papel da subsidiária.

Assim, para uma completa compreensão do papel das filiais, é necessário considerar as características da matriz, da subsidiária, da indústria local e do país. Os dois primeiros aspectos enquadram-se na variável “propriedade”, enquanto os dois últimos enquadram-se na variável “localização”, do paradigma eclético (Dunning, 1980, 1988).

Outra contribuição para o tema são os conceitos de “centro de excelência” e “mandato global de produto”. No primeiro caso, trata-se de unidades que possuem um conjunto de capacidades reconhecidas pela empresa como importante fonte de criação de valor, uma vez que podem ser aproveitadas e/ou transferidas para outras partes da corporação (Frost, Birkinshaw, Ensign, 2002). O segundo conceito é similar, onde uma subsidiária tem a responsabilidade de desenvolver, fabricar e colocar no mercado uma linha de produtos em escala global, dada sua competência específica naquela tecnologia (Birkinshaw, Hood, Jonsson, 1998). Oliveira Jr. e Borini (2006) definem a relevância estratégica de uma subsidiária como a competência em criar inovações transferidas e usadas por outras subsidiárias e pela matriz, garantindo uma vantagem competitiva para a EMN, definição similar à de centros de excelência.

A parceria com universidades e institutos de pesquisa locais pode melhorar a capacidade tecnológica da subsidiária, tornando-a um centro de excelência, cujo conhecimento poderá ser explorado globalmente pelas outras subsidiárias, especialmente em países de mesmas características culturais, socioeconômicas e climáticas (Boehe, 2007). A capacidade de um centro de pesquisa empresarial, seja na matriz ou em uma subsidiária, utilizar ou aumentar suas competências tecnológicas é função não apenas de seus próprios recursos, mas da eficiência com que utiliza recursos complementares do sistema nacional de inovação.

2.2 Teorias de Internacionalização – o Paradigma Eclético de Dunning

John Dunning apresentou este conceito pela primeira vez em 1976, em um simpósio em Estocolmo. Todavia, as idéias básicas já se formavam desde os anos 50, quando escreveu sua tese de doutorado, sobre o investimento de empresas americanas na indústria inglesa (Dunning, 2001). Havia estudos que mostravam que a produtividade da indústria manufatureira americana era, em média, 2 a 5 vezes maior do que a da indústria britânica. A questão que preocupava Dunning era se a diferença de produtividade era resultado dos recursos endógenos (e imóveis) da economia americana, ou se o fato se devia à maneira mais eficiente com que os gerentes das empresas americanas organizavam e utilizavam esses recursos. Neste caso, esta competência poderia ser transferida de um país para outro, e as subsidiárias americanas na Inglaterra deveriam ter um desempenho semelhante ao das matrizes, e bem melhor que suas concorrentes locais. Ele identificou este efeito como específico de propriedade (O - ownership).

Todavia, se as subsidiárias inglesas apresentassem desempenho comparável ao das concorrentes locais, e muito abaixo dos resultados das matrizes, isto se deveria às características não-transferíveis da economia americana, o que ele chamou de componente específico de localização (L - location). O resultado da pesquisa mostrou que as subsidiárias não eram tão produtivas quanto as matrizes, mas eram melhores que as empresas inglesas, o que demonstrou que parte das diferenças eram devidas ao componente L e parte ao componente O.

No simpósio de 1976, ao explicar a atividade das empresas fora de suas fronteiras nacionais, Dunning estendeu as vantagens de O e L, incluindo um novo conjunto de escolhas que as empresas poderiam fazer: gerar e/ou explorar suas vantagens específicas de propriedade internamente, ou vender essas vantagens ou os seus direitos através do mercado, para outras empresas. A isto ele se referiu como vantagens de internalização (I – internalization). E este se tornou o terceiro componente do paradigma eclético, para explicar o escopo e a geografia das atividades de agregação de valor realizadas pelas empresas multinacionais (Dunning, 2001).

Apesar de as atividades próprias em mercados externos contribuírem para aumentar as vantagens de O, Dunning acredita que a capacidade de uma empresa se beneficiar de atividades internacionais está relacionada aos ativos que ela possuía antes de promover a internalização. Em outras palavras, as vantagens de propriedade fornecem a capacidade para internalizar mercados, enquanto as vantagens de internalização têm a ver com a vontade de fazê-lo.

A variável “propriedade” refere-se às capacidades específicas da empresa, que lhe permitem um melhor posicionamento no mercado estrangeiro, em comparação aos produtores locais ou a outros produtores estrangeiros. É o acesso privilegiado a algum ativo, as economias de escala, patentes, marcas, capacidades tecnológicas e gerenciais, a diferenciação de produtos, e que devem compensar o custo de montar e manter uma operação no exterior.

Diversos aspectos são determinantes da variável “localização” – custos do trabalho, de transporte, de energia e materiais, de produção e de comunicação, intervenção governamental (barreiras tarifárias, incentivos fiscais), distância psíquica, abundância de recursos naturais, infra-estrutura, instituições, tamanho e dinamismo do mercado, presença de concorrentes ou de clusters, estabilidade política e econômica, entre outros. Analisadas as vantagens desses dois fatores, a empresa consideraria a alternativa de internalizar os seus recursos, produzindo no exterior com sua própria estrutura (por meio de subsidiárias ou associadas), ou ceder o uso de sua vantagem de propriedade através de contratos ou licenças. Produzir no exterior é uma decisão influenciada pela natureza dos ativos intangíveis, entre os quais o conhecimento tácito, que a firma pode usar, mas não vender ou licenciar, e que estimulam o investimento na produção internacional.

A intervenção governamental pode encorajar as empresas estrangeiras a internalizar suas atividades em determinado país. Isto é particularmente verdadeiro quanto à legislação sobre a produção e o licenciamento de tecnologia, incluindo o sistema local de patentes, e onde existem políticas diferenciadas sobre impostos e câmbio (Dunning, 1980, 1998). A existência de diferentes fatores de localização levou as empresas a concentrar determinados tipos de atividades agregadoras de valor em um número limitado de locais. O que prevalece são os motivos para o investimento no exterior – a busca por recursos naturais, por mercados, por eficiência ou por ativos estratégicos que possam se somar às vantagens competitivas (Dunning, 1994; Kuemmerle, 1997). Neste último caso, a dispersão de atividades inovadoras ainda ocorre preferencialmente entre os países desenvolvidos. E é esta a razão principal para que os países emergentes disputem a instalação de subsidiárias e ofereçam componentes de localização adicionais que possam atrair tais atividades.

A maior parte dos estudos de Dunning se concentrou nos países desenvolvidos, onde o papel do governo na variável “localização” é menos expressivo do que nos países emergentes. Nestes, é preciso um esforço concentrado de políticas públicas para atrair investimentos de EMNs, especialmente em atividades de inovação que contribuem para a capacitação tecnológica.

2.3 Políticas Públicas para a Atração de Investimentos em P&D de Empresas Multinacionais

O estabelecimento de fábricas em certos países, apenas em razão de baixos salários ou impostos, já não se justifica. As tarifas estão se reduzindo, devido aos acordos comerciais (União Européia, Mercosul, NAFTA). E a crescente sofisticação no desenvolvimento e fabricação de produtos leva à necessidade de fornecedores de classe mundial, o que influi na escolha dos países onde se instalar e reduz a importância de baixos custos de matéria-prima, capital ou salários, levando-se em conta a diferença de produtividade dos trabalhadores. Mesmo na Índia e na China, fábricas são construídas em Bangalore e Xangai, onde o preço da terra e os salários são maiores, porém há trabalhadores e fornecedores qualificados (Ferdows, 1997).

Kumar (2001) afirma que os recursos que o país anfitrião oferece influenciam o nível de P&D feito pelas empresas estrangeiras. A existência de um grande mercado doméstico, abundância de pessoal de P&D de baixo custo, infra-estrutura tecnológica (universidades e institutos de pesquisa) e de comunicações, proteção da propriedade intelectual, políticas de comércio, requisitos de desempenho no país e escala do esforço tecnológico nacional definem o tipo e o escopo da P&D que será realizada pelas EMNs num dado país.

Os países asiáticos adotam políticas ativas para a qualificação de mão-de-obra, educação técnica e superior, financiamento e incentivos às atividades de P&D (Hiratuka, 2005). Estas são combinadas com políticas de investimento seletivas, objetivando aumentar o conteúdo tecnológico das atividades realizadas pelas filiais das EMNs e o grau de complementaridade com instituições locais, o que aumenta o valor da variável L.

Vários trabalhos listam as ações e instrumentos utilizados em diferentes países para atrair centros de P&D (Stal e Campanário 2007, Galina e Martins, 2007; Zanatta et al., 2007). Alguns são específicos para certos setores, como é o caso da Lei de Informática no Brasil. Coréia, Taiwan, Cingapura, Malásia, Tailândia e Indonésia fizeram um esforço planejado para criar capital humano e capacidade de inovação local, visando à exportação de seus produtos. Taiwan enfatizou a educação em todos os níveis, concedeu incentivos fiscais e financeiros para indústrias estratégicas, como eletrônicos e TIC, além de incentivos especiais para firmas estabelecidas em parques tecnológicos. Em Cingapura, engenheiros e cientistas experientes resultaram de um forte compromisso com a educação. Incentivos fiscais de até 200% das despesas com P&D e financiamento com juros subsidiados foram concedidos às EMNs que treinassem trabalhadores locais em suas matrizes, para depois implementar a transferência de novas linhas de produtos para o país.

Desde a metade da década de 90, a China se tornou o maior receptor de investimentos diretos estrangeiros no mundo, e o mais importante entre os países em desenvolvimento, devido ao gigantesco mercado e ao baixo custo da mão-de-obra, além da disponibilidade de cientistas e engenheiros altamente qualificados, universidades e institutos de pesquisa, agências governamentais pró-ativas e leis trabalhistas mais flexíveis (Stal e Campanário, 2007).

O alto nível de competitividade da indústria de software não se baseia simplesmente em engenheiros e cientistas de baixo custo que falam inglês; é uma combinação de políticas governamentais para educação superior, ciência e tecnologia, abertura da economia, boa infra-estrutura de instituições tecnológicas, tamanho do mercado local, e capacidade tecnológica de firmas locais (Patibandla e Petersen, 2002). Grandes empresas estrangeiras de TI instalaram centros de desenvolvimento de software na Índia devido ao volume e à alta qualidade técnica da mão-de-obra que domina a língua inglesa. À media que adquiriam confiança na qualidade dos trabalhadores, expandiram suas operações e desenvolveram significativamente seu nível tecnológico, o que levou a um rápido crescimento da demanda por trabalhadores qualificados. Isso, por sua vez, colaborou para a expansão da infra-estrutura na educação.

2.4 A Lei de Informática Brasileira

A Lei de Informática foi lançada efetivamente em 1993 (Lei 8.248/91), passou por aprimoramentos e, atualmente, sua vigência vai até 2019 (Lei 11.077/04). Ela estimulou a produção de equipamentos de informática, microeletrônica e telecomunicações no país, inicialmente com isenção e, paulatinamente, redução de IPI – a partir de 2006, 70% de redução. E contribuiu para o desenvolvimento tecnológico do setor, ao exigir a aplicação de um mínimo de 5% (3,5% a partir de 2006) em atividades de P&D, internamente ou em colaboração com universidades e institutos de pesquisa. O governo mostrou sua preocupação com dois aspectos importantes e complementares – a atração de empresas produtoras de bens e serviços e a obrigatoriedade do investimento em P&D, fundamental para a capacitação tecnológica local.

Com a aplicação da lei 8.248, entre 1993 e 1999, cerca de 100 novas empresas aqui se instalaram, na maioria grandes firmas internacionais, que hoje produzem bens de informática em várias regiões. Foram gerados 30 mil empregos, e os investimentos em P&D foram de R$ 2,6 bilhões. O saldo entre impostos federais pagos e a renúncia fiscal foi de R$ 3,2 bilhões, e 299 empresas receberam incentivos (SEPIN, 2000).

Os últimos relatórios da Secretaria de Política de Informática (SEPIN), referentes aos anos de 2007 e 2008, mostram que o número de empresas incentivadas continua crescendo (313 e 370). Os dados apontam para uma grande concentração das empresas industriais no estado de São Paulo, tanto em receita (66,6%) como em número (44,9%). Em vista do faturamento sobre os produtos incentivados, 12 empresas têm obrigação de aplicar em P&D mais de R$ 10 milhões. Dessas, nove se localizam em São Paulo. Os principais investimentos em P&D ocorreram nas seguintes áreas: Telecomunicações – Celular; Computadores e Periféricos; e Telecomunicações – Outros.

Das 313 empresas reportadas em 2007, apenas 100 possuíam faturamento superior a R$ 15 milhões. É acima deste nível que a legislação as obriga a celebrarem convênios de P&D com universidades e/ou instituições de pesquisa e desenvolvimento. Foram realizados convênios com 143 organizações de pesquisa, metade delas localizada em São Paulo, seguido do Rio Grande do Sul. Elas empregaram nos projetos de P&D um total de 15.601 pessoas. Em 2008, foram 105 instituições de ensino e pesquisa, e houve maior distribuição regional.

Os Relatórios Demonstrativos de 2007 apontam para um montante de investimentos em P&D superior ao valor mínimo exigível pela Lei de Informática, o que configura um resultado positivo para a estratégia de exigência de investimento em P&D em troca dos benefícios da lei.

Os investimentos em projetos de P&D por estado colocam São Paulo em primeiro lugar, com cerca de R$ 410 milhões (R$ 240 milhões nas empresas, R$ 170 milhões nas universidades e institutos de pesquisa), seguido de Pernambuco, com R$ 65,5 milhões (R$ 64 milhões em instituições de pesquisa e apenas R$ 1 milhão nas empresas) e Paraná, com cerca de R$ 48,5 milhões, distribuídos entre empresas (R$ 16,8 milhões) e instituições de pesquisa (R$ 31,7 milhões). O alto valor investido nas instituições de pesquisa de Pernambuco, e que também se verifica na Bahia e no Ceará, resulta da concessão de incentivos maiores para as empresas que investem em P&D na região Nordeste. A tabela abaixo mostra alguns resultados agregados.

Tabela 1
Resultados da Lei de Informática em 2007 e 2008 (em R$ milhões)

  2007 2008
Número de empresas incentivadas
313,0
370,0
Faturamento total em produtos incentivados
21.007,6
24.675,4
Valor total dos incentivos fiscais
2.759,0
3.183,6
Valor total dos impostos pagos sobre a venda de produtos incentivados
3.966,7
4.707,5
Valor total dos compromissos (investimento em P&D)
537,0
633,9
Valor dos compromissos, aplicações próprias
280,0
347,6
Valor mínimo dos compromissos, aplicações conveniadas
257,0
286,3
Quantidade total de pessoal das empresas
70.221,0
85.087,0
Quantidade total de pessoal das empresas, nível superior
15.055,0
20.142,0
Quantidade total de pessoal em atividades de P&D
5.261,0
6.043,0
Quantidade total de patentes requeridas pelas empresas
231,0
362,0

Fonte: SEPIN, 2008 e 2009

No período de 2002 a 2008, a Lei de Informática possibilitou investimentos da ordem de R$ 4 bilhões no setor de tecnologia da informação e comunicação (TIC), e foi responsável pelo desenvolvimento de 16 mil projetos, realizados em empresas e em parcerias com instituições de pesquisa e desenvolvimento.

A lei foi fundamental para a atração de grandes empresas internacionais do complexo eletrônico, tanto de equipamentos para telecomunicações (Lucent, Motorola, Nokia, Siemens, NEC, Ericsson), como informática (Compaq, Texas Instruments). Foi responsável, também, pelo estabelecimento de uma rede de fornecedores, especialmente de empresas de manufatura, como Celestica, Solectron, Flextronics (GARCIA e ROSELINO, 2004). A exigência da aplicação de uma parte dos recursos de P&D em instituições externas, situação peculiar da lei brasileira, resultou na criação de institutos de pesquisa por grandes empresas, nacionais e estrangeiras, credenciados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) para receber os recursos.

2.5 O Pólo Tecnológico de Campinas

O pólo de alta tecnologia de Campinas já foi objeto de vários estudos (Souza e Garcia, 1998; Porto, Cano e Silva, 2000; Garcia, 2001; Cassiolato, Szapiro e Lastres, 2002; Gomes, 2003; Diegues e Roselino, 2006). Eles mostram as transformações que o pólo sofreu desde a sua constituição, nos anos 70, basicamente em torno do CPqD/Telebrás e da UNICAMP, passando pela privatização da Telebrás, em 1998. Apenas o último trabalho avalia as mudanças decorrentes da Lei de Informática, criada em 1991, e que atraiu para o local um grande número de EMNs.

Na região havia ainda a PUCCAMP – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, e institutos de pesquisa como CTI – Centro de Tecnologia de Informática (atual CENPRA) e LNLS – Laboratório Nacional de Luz Síncrotron. A presença do CPqD e suas relações com as universidades e com empresas do setor estimulou um processo local importante de geração de inovações. Diversas firmas de pequeno e médio porte do setor de informática, especialmente produtoras de software, ali se instalaram. Algumas empresas pioneiras, como a IBM, estabelecidas há muitos anos, se preocuparam com a formação e capacitação de seus profissionais e de um conjunto de empresas locais fornecedoras de peças, componentes e serviços, o que gerou um processo de aprendizado entre os agentes locais (Souza e Garcia, 1998).

Durante a década de 1980, CPqD e UNICAMP foram responsáveis por spin-offs, que resultaram na criação de novas empresas. Havia também uma alta taxa de rotatividade dos funcionários nas empresas e instituições de ensino e pesquisa, o que colaborou para a difusão de conhecimento tácito no pólo. Na década de 90, com a liberalização da economia brasileira, muitas firmas multinacionais lá se estabeleceram, adotando a estratégia de trazer seus fornecedores globais, o que reduziu a participação dos produtores locais, antes protegidos pela reserva de mercado, que talvez não pudessem oferecer os mesmos preços e padrões de qualidade.

A privatização da Telebrás, em 1998, reflete o que ocorreu em quase todos os países - a privatização de empresas de telefonia e a introdução da concorrência nos serviços de telecomunicações. Com essas mudanças mundiais, os grandes fornecedores de equipamentos passaram a realizar P&D, enquanto as operadoras se concentraram na prestação de serviços de telecomunicações (Graciosa et al., 2002; Galina e Sbragia, 2004). Porém as atividades tecnológicas do pólo foram preservadas. As EMNs destacam o papel decisivo da Lei de Informática para manter essas atividades, atraindo para as subsidiárias locais atividades de maior valor agregado, como o desenvolvimento de produtos, na concorrência com filiais em outros países. Com isso, a região continuou a mobilizar um grande número de profissionais em atividades tecnológicas, nas empresas e demais instituições (Diegues e Roselino, 2006).

Além da infra-estrutura científico-tecnológica, pessoal altamente qualificado e proximidade do mercado consumidor, o pólo de Campinas possuía outros fatores de atratividade, como um excelente sistema viário e o aeroporto de Viracopos, que recebe a maior parte das cargas internacionais. Todavia, alguns dos trabalhos citados mencionam a “destruição do aparato institucional representado pelo sistema Telebrás, que fez com que capacitações acumuladas fossem quase totalmente perdidas” (Garcia, 2001). Porto, Cano e Silva (2000) citam “o profundo desarranjo, desaparecimento de empresas, eliminação de elos de cooperação entre instituições e sérias dúvidas quanto à continuidade do desenvolvimento tecnológico da região”. Já Galina e Sbragia (2004) comentam que “algumas aquisições de empresas locais resultaram na extinção ou subutilização da P&D local, porém outras transformaram as subsidiárias brasileiras em líderes mundiais em tecnologias dominadas pelas empresas adquiridas”

As EMNs ainda possuem parcerias com os institutos de pesquisa criados por elas. Na visão de Diegues e Roselino (2006), as interações com os demais agentes locais e a difusão do conhecimento tácito para outros agentes do pólo são inibidas. Porém Figueiredo (2006) estudou 18 institutos de pesquisa brasileiros do setor de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), públicos, privados, independentes, ligados a universidades ou a empresas, e confirmou o avanço da capacitação tecnológica brasileira, com o estabelecimento de processos de aprendizagem intra-organizacionais e de ligações variadas com componentes da infra-estrutura tecnológica e empresas, tanto no âmbito nacional como internacional.

Uma breve análise do que ocorre atualmente na região mostra que ela continua uma das mais dinâmicas do país, especialmente nos setores de Informática e Telecomunicações. Campinas é pólo de uma região metropolitana formada por 19 cidades, entre as quais Hortolândia (sede de IBM e Dell), Indaiatuba (Ericsson) e Jaguariúna (Motorola). Há dois Parques de Alta Tecnologia, estabelecidos em áreas sujeitas a uma legislação municipal especial, e leis específicas de incentivos fiscais (Lei 12.653 de 10/10/2006), que estimulam a instalação de empresas de base tecnológica e têm por finalidade resguardar o meio ambiente, garantindo que somente empresas de alta tecnologia e não poluentes lá se instalem.

A CIATEC (Companhia de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnologia de Campinas) foi constituída por decreto municipal em 1991. Da mesma forma, foi transformada em empresa municipal de economia mista, mantendo a Prefeitura Municipal de Campinas como acionista majoritária. Ela tem ativa participação no planejamento e execução da política de ciência e tecnologia da cidade, abriga o programa de incubadora de empresas de base tecnológica e coordena a implantação de empresas e organizações de pesquisa nos dois Pólos.

O Pólo II, onde já funciona o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), ganhou em março de 2008 um novo laboratório de nanotecnologia. Também instalarão unidades no pólo a Natura, o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Tecnologia da Informação (CPDTI) do Exército, o Instituto Eldorado e o Centro Nacional de Pesquisas da Biomassa.

Existe ainda a Fundação Fórum Campinas (FFC), instituída em 2002, e que envolve onze instituições de pesquisa e ensino localizadas na região metropolitana de Campinas, e tem por objetivo discutir propostas de atuação conjunta. Campinas é um dos 50 principais pólos de atração de investimentos no mundo. A região responde por 9% do PIB nacional e atrai quase 16% dos investimentos correntes no Estado de São Paulo, superada apenas pela Grande São Paulo.

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