Espacios. Espacios. Vol. 30 (4) 2009. Pág.20

Pólos e Parques de Alta Tecnologia: a quem interessa a implantação desses arranjos institucionais?

Poles and Parks of High Technology: who it interests the implantation of these institutional arrays?

Polos y parques de alta tecnología: ¿quién es el interesado en la implantación de estos arreglos institucionales?

Rogerio Silva y Renato Dagnino


3. A formulação da política pública do PATC

Mesmo não tendo sido alterado o problema público entre os períodos destacados anteriormente, foram formuladas três propostas para sua resolução. A primeira, segue da década de 1960 até por volta de meados de 1970. A segunda, de meados de 1970 até meados de 1980. E, a terceira, de meados de 1980 até o presente (ver Quadro 3.1).

Entre a comunidade de pesquisa brasileira, um dos temas mais presentes entre as décadas de 1960 e até meados de 1980 era sobre o vinculacionismo (Thomas, Davyt e Dagnino, 1997), que dizia respeito à geração de laços entre o desenvolvimento da C&T e a produção industrial. O modelo normativo vinculacionista assegurava que o desenvolvimento da C&T iria gerar "oferta" tecnológica, a qual seria absorvida pelos setores produtivos, e, conseqüentemente, levaria ao desenvolvimento econômico.

O vinculacionismo defendia que a oferta tecnológica era uma condição necessária e suficiente para gerar desenvolvimento econômico e social nos países de capitalismo periférico (Thomas, Davyt e Dagnino, 1997).

Esse modelo normativo estava em acordo com os pressupostos da Economia Neoclássica. Ele assegurava, entre outras coisas, que uma forma de gerar desenvolvimento econômico e social seria fazer com que a sociedade usasse o potencial científico e tecnológico existente (Lundvall, 2001).

Foi esse modelo normativo que orientou as propostas de solução para o problema público construído entre as décadas de 1960 até meados dos anos de 1970 e de meados dos anos de 1970 até meados dos anos de 1980. A proposta formulada no primeiro período foi a de permitir que as instituições de P&D voltassem seus procedimentos à "oferta" de tecnologias aos setores produtivos. Esperava-se, com ela, acelerar a mudança tecnológica nas empresas domésticas.

Dois tipos de instituições de P&D se encarregariam da geração de vínculos entre o desenvolvimento de C&T com o setor produtivo: Institutos Tecnológicos Estatais e Universidades Públicas.

Todavia, após a crise econômica de 1973, o Brasil perdeu consideravelmente sua capacidade de financiar essas instituições. A partir desse ano, a abundância de recursos destinados a essas instituições se reduziu drasticamente.

O poder público federal começou a retirar o problema da debilidade da interação entre o potencial de C&T e o desenvolvimento econômico de sua agenda. Depois disso, a comunidade de pesquisa se tornou um grupo de pressão como os demais grupos sociais, disputando recursos escassos e espaço político com outros setores da sociedade (Schwartzman, 1993).

Quadro 3.1: Formulação das Propostas de Resolução

Quadro 3 1

Fonte: elaborado pelo autor.

Membros da comunidade de pesquisa brasileira começaram a se articular com alguns segmentos governamentais para evitar que esse problema fosse completamente retirado da agenda decisória. A comunidade de pesquisa passou a defender a centralidade do problema público na reversão da conjuntura econômica desfavorável que o Brasil estava vivenciando.

Uma nova proposta para a solução do problema público foi elaborada pela comunidade de pesquisa no bojo de um movimento de emulação da experiência norte-americana de PATs, como o Silicon Valley e o Route 128, por diversos países, inclusive os europeus (Dagnino, 2007b).

A proposta de os governos municipais emularem essas experiências fez com que o projeto político de desenvolvimento local apoiado nos PATs se tornasse ideologicamente dominante na PCT brasileira a partir de meados da década de 1970 (Dagnino, 2007b).

O vácuo deixado pelos contratos anteriormente realizados com o governo federal fez com que membros da comunidade de pesquisa passassem a defender entre gestores públicos municipais a emulação desses arranjos institucionais, como proposta viável para ajudar a contornar a crise econômica vigente. Essa proposta garantiria recursos financeiros e apoio político municipal à comunidade de pesquisa.

Nos países de capitalismo avançado e nos periféricos, os PATs como proposta de política pública, fortemente fundamentados no modelo cognitivo da Economia Neoclássica durante as décadas de 1960 a meados dos anos de 1980, deveriam ser implantados nas localidades cujas estratégias de crescimento e desenvolvimento econômico poderiam ser apoiadas na valorização de um potencial universitário e de pesquisa existentes nelas.

Os defensores dos PATs argumentavam que sua implantação provocaria uma industrialização baseada nas empresas de alta tecnologia, criadas na localidade ou para ela atraídas. A proposta de intervenção baseada nos PATs foi formulada, de meados da década de 1970 a meados dos anos de 1980, com vistas à vinculação entre instituições de P&D, empresas, governo e instituições financeiras, que, supunha-se, poderiam viabilizar a transferência de tecnologias para a indústria regional. Tratava-se, essencialmente, da promoção de um circuito econômico, mas que tinha como central as universidades (ver Figura 3.1).

Figura 3.1: Esquema da Proposta apresentada
a partir do modelo normativo vinculacionista

Figura 3 1

Fonte: elaborado pelo autor.

Todavia, já em meados da década de 1980, se constatava que a maior parte do desenvolvimento da C&T brasileiro se orientava para a satisfação da demanda das empresas estatais (Thomas, Davyt e Dagnino, 1997).

O baixo vínculo que as instituições de P&D mantinham com os demais setores produtivos era devido ao desenvolvimento da C&T no Brasil ser de complexidade relativa maior do que aquela demandada por eles. A venda e a prestação de serviços ao setor privado se restringiram, normalmente, às tarefas de controle de qualidade e testes de resistência dos materiais (Thomas, Davyt e Dagnino, 1997). A

inda em meados dos anos de 1980, devido à baixa resposta do modelo normativo vinculacionista à resolução do problema público, se inicia a formulação de outra proposta de resolução. É nessa década que começa a ganhar força na América Latina uma nova onda vinculacionista, que pode ser denominada de neo-vinculacionismo (Thomas, Davyt, Dagnino, 1997). Essa nova onda se relaciona aos avanços da Teoria da Inovação (Economia da Inovação) provenientes da Europa e dos Estados Unidos.

O enfoque da Economia da Inovação passou a enfatizar a importância do desenvolvimento dos recursos humanos e a integração entre as estruturas e instituições envolvidas com P&D (Lundvall, 2001). Esse enfoque destacava as empresas privadas como centrais no processo de difusão tecnológica, destituindo as instituições de P&D, principalmente as universidades, dessa posição.

Num quadro em que a competitividade de um país tende a ser reduzida à competitividade de suas empresas, elas foram cada vez mais destacadas como centrais para o crescimento econômico. Nesse quadro, uma atitude pró-ativa de membros da comunidade de pesquisa já era esperada (Gomes, 2001). Essa atitude se manifestou pela conversão das atividades de membros da comunidade de pesquisa à idéia de que o estabelecimento de mecanismos institucionais de interação universidade-empresa seria uma tarefa coletiva que beneficiaria não apenas eles, que disporiam de maiores recursos, mas o conjunto dos atores envolvidos no processo (Gomes, 2001).

As empresas de alta tecnologia seriam o lócus privilegiado do processo de difusão tecnológica e os empresários seriam os atores que deveriam ser destacados no processo. A competitividade das empresas de alta tecnologia, e conseqüentemente das localidades e regiões, passou a ser entendida como resultante da capacidade de se gerar vínculos entre as instituições que comporiam os PATs. Dessa forma, as instituições de uma cidade ou região, tais como universidades, institutos de P&D, centros de formação e treinamento, consultorias, bancos, seriam determinantes para o processo de inovação e o de difusão tecnológica (Gomes, 2001).

A mudança de enfoque sobre o desenvolvimento econômico dos países de capitalismo avançado não tardou a ser percebida e discutida pela comunidade de pesquisa dos países de capitalismo periférico, como o Brasil e demais países da América Latina. O enfoque da Economia da Inovação foi, durante a década de 1990, rapidamente convertido no modelo cognitivo que deveria orientar a vinculação entre C&T e produção desses países.

Diante disso, a proposta de solução para o problema apresentado já em meados da década de 1980 é reformulada. A proposta passa a ser: vincular os setores produtivos ao desenvolvimento da C&T. O foco não estava mais na oferta tecnológica para os setores produtivos, como se supunha no modelo normativo vinculacionista, mas em fazer com que as universidades interagissem com os setores produtivos para a geração de novas tecnologias (ver Figura 3.2).

Figura 3.2: Esquema da Proposta apresentada a partir do modelo normativo neo-vinculacionista

Figura 3-2

Fonte: elaborado pelo autor.

No modelo normativo neo-vinculacionista, distinto do vinculacionista, em que as instituições de P&D eram centrais, as empresas de alta tecnologia são colocadas no centro do sistema de interação entre C&T e produção. O estímulo à criação de empresas de alta tecnologia passa, então, a ser considerado como o principal objetivo da política pública.

Nesse modelo normativo, os PATs passaram a ser concebidos como arranjos institucionais capazes de estimular a criação dessas empresas. Nos PATs, as empresas de alta tecnologia, as quais produziriam bens ou serviços de alto valor agregado, seriam centrais.

Outros elementos também foram agregados a essa proposta de solução, tais como a implantação de incubadoras de empresas, escritórios universitários de transferência de tecnologias e patentes. Na maioria dos casos, tanto a iniciativa quanto o financiamento desses instrumentos de operacionalização da proposta ficaram ao cargo das instituições de fomento estatais.

4. A tomada de decisão: a emulação das experiências de PATs

Distinto do que ocorreu nos países de capitalismo avançado, no Brasil, e mesmo nos demais países da América Latina, não houve uma crítica aos PATs e aos seus pressupostos (Gomes, 2001). A discussão sobre a implantação de PATs como proposta para a resolução do problema público, além de ter ficado restrita aos membros da comunidade de pesquisa, se deteve em apresentá-los somente como positivos para o desenvolvimento econômico e social e desconsideraram as críticas que eles vinham recebendo nos países de capitalismo avançado.

No Brasil, membros da comunidade de pesquisa, que foram os atores dominantes na tomada de decisão nos anos de 1970 e meados dos anos de 1980, defendiam que, tal como ocorrido nos países de capitalismo avançado, a implantação desses arranjos institucionais promoveria a difusão tecnológica (Gomes, 1995).

Como destacado por Gomes (1995), nessa concepção estava presente a idéia de que seriam as instituições de P&D que iniciariam a difusão tecnológica, por serem as responsáveis pela pesquisa básica e aplicada. As tecnologias originadas nessas instituições seriam oferecidas às empresas instaladas nos PATs, que seriam as responsáveis pelo desenvolvimento experimental e prototipagem das tecnologias. Depois disso, as tecnologias seriam produzidas em escala industrial, o que caracterizaria a difusão tecnológica (última etapa da cadeia do Modelo Linear de Inovação).

Todavia, ao longo da década de 1980 a implantação desses arranjos institucionais no Brasil mostrou um impacto relativamente pequeno em relação à transferência de tecnologia das instituições de P&D para os setores produtivos e para a criação de empresas de alta tecnologia. Os PATs e os elementos que deveriam ser por eles ligados — as instituições de P&D e os setores produtivos —, mostravam uma inadequação dos modelos normativos empregados para a elaboração da política de C&T em relação à realidade da qual foram emulados (Dagnino e Thomas, 2001).

Já em meados da década de 1980, membros da comunidade de pesquisa começaram a questionar se a capacitação de recursos humanos e o desenvolvimento de pesquisa básica, fundamentos presentes na proposta apresentada durante as décadas de 1970 e 1980, conduziriam por si só à difusão tecnológica.

Nessas décadas se passou a questionar a concepção de que seria através da acumulação de “massa crítica” em pesquisa e em recursos humanos que, por um efeito de “transbordamento” coadjuvado com o estímulo à relação pesquisa-produção, se lograria o desenvolvimento tecnológico desejado. Esse questionamento foi feito a partir das críticas formuladas pelos teóricos da Economia da Inovação (Dagnino, 2007b).

Todavia, os fundamentos conceituais da Economia da Inovação não ficaram restritos a esse questionamento. Além disso, eles se tornaram praticamente hegemônicos na elaboração da PCT no Brasil, dotando essa política com modelos descritivo, normativo e institucional (Dagnino, 2007b).

Os estudos da relação das instituições de P&D com as empresas, feitos pelos teóricos da Economia da Inovação, junto à proposição de mecanismos institucionais e avaliações de suas implicações, contribuíram para que os PATs continuassem sendo privilegiados como promotores da competitividade dos países. Ou seja, os PATs, mesmo no período anterior não tendo logrado os objetivos pretendidos, continuaram figurando como uma proposta viável para a vinculação entre o desenvolvimento da C&T e os setores produtivos.

A importância crescente que o poder público e a opinião pública conferiam à competitividade e ao alucinante ritmo das mudanças tecnológicas em curso, passou a reforçar a proposta da escolha dos arranjos institucionais no interior da comunidade de pesquisa brasileira.

Os PATs, a partir do modelo cognitivo da Economia da Inovação, passaram a repousar sobre o conceito de fertilização cruzada. Eles se constituiriam na reunião de centros de pesquisa, empresas, universidades e organizações financeiras, que teriam a função de facilitar o desenvolvimento de atividades produtivas de alta tecnologia. Com isso, os PATs poderiam produzir efeitos de sinergia entre essas instituições, com a finalidade de desenvolver P&D e delas as inovações tecnológicas necessárias ao crescimento econômico (Benko, 1999).

O Quadro 4.1 mostra como os PATs foram modelizados no momento de tomada de decisão da política pública. As propostas escolhidas, para a resolução do problema público, desde meados da década de 1970 até o presente, estiveram fortemente apoiadas nos PATs.

Quadro 4.1: Momento de Tomada de Decisão nos períodos
de meados da década de 1970 até meados dos anos de 1980
e meados dos anos de 1980 até o presente

Quadro 4-1

Fonte: elaborado pelo autor.

Essa proposta, baseada tanto no modelo cognitivo da Economia Neoclássica quanto na Economia da Inovação, previa a constituição de redes de relacionamento entre as instituições instaladas nos PATs e que levariam à transferência de tecnologias para a indústria regional.

Um dos casos em que esses arranjos foram emulados é justamente o PATC. Assim como nos demais países Latino-Americanos, membros da comunidade de pesquisa de Campinas foram os atores dominantes no processo de proposição da emulação dos modelos de PATs dos países de capitalismo avançado. Esse processo foi, inclusive, apoiado pelos fazedores de política de origem acadêmica e por ONGs , que foram criadas e se fortaleceram ao defender a implantação não somente do PATC, mas de outros arranjos institucionais pelo País.

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