Espacios. Espacios. Vol. 30 (1) 2009. Pág. 28


Os novos caminhos das Instituições Públicas de Pesquisa Agropecuária: observações a partir dos casos da Embrapa e do INTA

The new ways of the public institutions of agricultural investigation: Observations from the cases of Embrapa and INTA.

Los nuevos caminos de las instituciones públicas de investigación agropecuaria: Observaciones a partir de los casos de Embrapa y de INTA.

Marcos Paulo Fuck, Maria Beatriz Bonacelli y Sergio Paulino de Carvalho


2 – Um breve histórico da Embrapa e suas políticas de propriedade intelectual e de transferência de tecnologia

A Embrapa é uma empresa pública de direito privado, vinculada ao Ministério de Agricultura e Abastecimento. Conforme Salles-Filho et al. (2000), nos seus primeiros anos e no papel de “repassadora de tecnologias modernas”, a Embrapa dedicou-se ao desenvolvimento de pesquisa agropecuária facilitadora da incorporação na agricultura das tecnologias disponibilizadas pela indústria a montante (máquinas, equipamentos e insumos) e do estreitamento da relação com a agroindústria processadora. Tendo cumprido tal missão, essa ênfase no papel de “repassadora” foi revertida no final dos anos 70. A Instituição passou, então, a consolidar sua atuação na geração de novas tecnologias. A partir de 1985, novas prioridades de pesquisa foram adotadas pela direção da Embrapa. A ênfase foi colocada na diminuição da dependência externa em termos de tecnologia, na preservação do meio ambiente e no esforço em direção à pesquisa básica.

Dessa forma, conforme os mesmos autores, podem ser identificadas duas fases na organização da Embrapa: a primeira, que corresponde ao período 1973-84, compreende a criação e consolidação da Instituição, tendo como objetivo o estabelecimento de uma trajetória nacional para a pesquisa agropecuária. A segunda fase, a partir de 1985, caracteriza-se pelo ajustamento do modelo institucional, por meio da reorganização das atividades-fim e da busca de maior vinculação dessas às demandas externas.

Na segunda fase, podem ser identificados três momentos, ainda de acordo com Salles-Filho et al. (2000): reformulação da programação da P&D subsidiada pela integração dos princípios do Planejamento Estratégico (I PDE, 1988-92); consolidação do planejamento da P&D a partir do acompanhamento e da avaliação das atividades-fim (II PDE, 1994-98); ênfase no desenvolvimento de negócios tecnológicos, que devem constituir o mecanismo para a transferência de tecnologias e o incremento da geração de receitas próprias (III PDE, 1999-2003).

Nas diretrizes do IV Plano Diretor da Embrapa (IV PDE, 2004-07), destacam-se três áreas: as atividades de P&D voltadas para as cadeias do agronegócio; as pesquisas agropecuárias inovadoras em temas estratégicos que contribuam para aumentar e aprofundar o conhecimento existente; e as atividades de P&D direcionadas aos agricultores mais pobres, buscando incorporá-los aos setores dinâmicos da economia, bem como ampliar o seu acesso à alimentação e aos recursos naturais sustentáveis (Campanhola, 2004).

O novo Plano Diretor da Embrapa está sendo discutido de modo a considerar questões de mais longo prazo. O horizonte de reflexão estratégica está sendo pensado de modo a alcançar o cinqüentenário de criação da Embrapa, cobrindo o período de 2008 a 2023. A partir disso serão estabelecidas as diretrizes para os próximos quatro anos (2008-2011).

A Embrapa é a principal instituição de pesquisa agropecuária do Brasil e, na esfera internacional, destaca-se como o principal centro de tecnologia agropecuária tropical. A Instituição atua por intermédio de 38 Unidades de Pesquisa, 3 Serviços e 13 Unidades Administrativas e coordena o atual Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA) do Brasil, OEPAs, por universidades e institutos de pesquisa de âmbito federal ou estadual, bem como por outras organizações, públicas e privadas, direta ou indiretamente vinculadas à atividade de pesquisa agropecuária .

O principal marco legal que afeta as relações entre as instituições que compõem o SNPA é a Lei de Proteção de Cultivares (LPC), promulgada em 1997. A LPC viabiliza a apropriação de inovações e garante a propriedade intelectual sobre os cultivares, permitindo a cobrança de royalties e taxas tecnológicas. Esse novo contexto fez com que a Embrapa estabelece normativas, relacionadas ao tema, que proíbem a concessão de participação dos parceiros privados na titularidade dos materiais desenvolvidos conjuntamente, o que levou a uma revisão dos acordos anteriores de parceria que previam tal direito (Miranda, 2005).

Conforme De Carli (2005), a Embrapa editou normas estabelecendo que os parceiros envolvidos em programas de melhoramento genético por ela conduzidos não podem possuir programas próprios de pesquisa nessa área ou trabalhar em conjunto com organizações que tenham esses programas. “Tal exigência justifica-se pela preocupação da Embrapa em evitar mistura dos resultados dos programas de melhoramento, perda do controle e qualidade das informações” (pg. 113). Ainda segundo o autor, outra preocupação é evitar que as empresas transnacionais de biotecnologia venham a controlar o germoplasma que se encontra sob seu domínio, por meio da aquisição de empresas nacionais de sementes que tenham acesso ao programa de melhoramento genético da Embrapa.

Em vista disto, o novo modelo de parcerias da Embrapa, adotado após a LPC, diferencia os parceiros públicos e privados. Conforme Miranda (2005), são três as modalidades de associação da Embrapa com instituições públicas e privadas:

Sobre o processo de transferência de tecnologia, Quental & Gadelha (2000) fazem algumas considerações sobre o caso da Embrapa. Segundo os autores, a constatação de que a doação à sociedade dos resultados das atividades de P&D realizadas na Embrapa não estava garantindo uma distribuição justa dos benefícios gerados levou a uma maior preocupação com a valorização da tecnologia para ampliar sua transferência à sociedade. A Embrapa, notadamente a partir do III PDE, passou a identificar no mercado as demandas para fins de definição de prioridades de P&D, assim como clientes ou parceiros interessados na difusão dos resultados, que a ajudem nessa tarefa. Com essa visão a Embrapa criou áreas de negócios tecnológicos e serviços de atendimento ao cliente em cada uma de suas unidades descentralizadas e um sistema de negócios tecnológicos, que integra e coordena essas diversas áreas, assim como uma rede de informações de negócios tecnológicos.

Com base nessa estrutura, conforme divulgado pela Embrapa, nos últimos anos a Instituição firmou 20 contratos de parcerias para o desenvolvimento de novas variedades de plantas, que resultam na injeção de recursos da ordem dos R$ 10 milhões de reais, ao ano, para o custeio da pesquisa. A aproximação da Embrapa com a iniciativa privada teve como conseqüência os mais de 1.200 contratos de licenciamento de cultivares protegidas, firmados anualmente entre a Empresa e produtores de sementes. Tudo isso significa um retorno de R$ 20 milhões em arrecadação de royalties com o licenciamento e a comercialização de sementes para os parceiros da Embrapa (Embrapa, 2007).

3 – Um breve histórico do INTA e suas políticas de propriedade intelectual e de transferência de tecnologia

O INTA argentino foi criado em 1956, no contexto da Revolução Verde. Assim como ocorreu em outros países latino-americanos, a idéia era fornecer aos produtores locais tecnologias desenvolvidas em outros países a partir da adaptação às particularidades regionais das tecnologias agropecuárias desenvolvidas nos centros internacionais inovadores. Nos primeiros anos da década de sessenta foram definidas as características organizacionais básicas e se desenvolveu a infra-estrutura física da Instituição em torno de três dimensões: estações experimentais, centros nacionais de pesquisa e o serviço de extensão (Trigo et al., 1985). Conforme aponta Rossini (2004), as atividades de pesquisa consideradas básicas ou fundamentais se desenvolveram nos institutos localizados no Centro Nacional de Pesquisas Agropecuárias. As pesquisas de caráter mais aplicado foram paulatinamente transferidas às estações experimentais. O INTA teve um papel importante na geração e difusão de cultivares de milho híbrido até o final dos anos cinqüenta, momento em que houve uma mudança na forma de inscrição dos híbridos, o que acabou beneficiando as empresas privadas devido ao segredo comercial de suas linhagens (Strubin, 2004). A partir de então, o setor privado passou a concentrar a atividade de melhoramento deste cultivo.

O INTA também teve um papel importante na pesquisa e desenvolvimento de uma nova variedade de trigo derivada de germoplasma mexicano, que esteve e ainda está presente em boa parte dos cultivares comercializados na Argentina. Em meados dos anos setenta, outros atores começaram a competir com o INTA em termos de geração e transferência de tecnologia, o que levou a uma redução na participação do Instituto enquanto agente inovador no campo da genética aplicada (Rossini, 2004).

Conforme explica Rossini (2004), as subsidiárias das empresas multinacionais começaram a comercializar pacotes desenvolvidos inteiramente no exterior, deixando para o âmbito local tarefas adaptativas e menor complexidade tecnológica. Além de comercializar as sementes, essas empresas também distribuíam e comercializavam produtos fitosanitários, ampliando a concorrência com as empresas de capital nacional especializadas em insumos. A autora destaca também as mudanças na política setorial após a ditadura militar (implementada em 1976). Essa mudança levou a perda da liderança do INTA na geração e transferência de tecnologia agropecuária devido, principalmente, a dois motivos: as perseguições políticas-ideológicas da ditadura militar levaram a que boa parte do pessoal técnico-científico do INTA abandonasse a Instituição e o próprio país; o fato do governo militar ter favorecido uma divisão de tarefas segundo a qual “o INTA devia dedicar-se à pesquisa fundamental, à melhora de populações e à provisão de germoplasma, deixando as fases seguintes, de caráter competitivo, nas mãos do setor privado” (pg. 29).

Além da ampliação no poder de mercado das empresas multinacionais, a nova política agrícola foi orientada ao aumento da produtividade dos grandes produtores de grãos localizados na Pampa Úmida, tradicional fonte de divisas para o governo devido às exportações (antes a política agrícola beneficiava um maior número de atores, notadamente pequenos e médios). Segundo Rossini (2004), a década de setenta marcou um ponto de inflexão quanto aos limites do modelo institucional do INTA e seu papel na dinâmica da mudança tecnológica na agricultura. No final da década seguinte, a percepção do novo cenário internacional da pesquisa agrícola induziu um processo de reforma institucional. Esse processo incorporou a preocupação por alcançar uma massa crítica em ciências básicas e por desenvolver capacidades técnicas em áreas consideradas estratégicas (como a biotecnologia), e também ampliar o foco do Instituto para toda a cadeia agroalimentar (e não mais somente ao produtor agropecuário). Nesse contexto foi criado, em 1989 e integrado ao INTA, o Instituto de Biologia Molecular, que posteriormente passou a chamar-se de Biotecnologia.

Nos anos noventa, a Secretaria de Agricultura Ganadería y Pesca propiciou a difusão de pacotes tecnológicos de maior conteúdo biotecnológico. O ambiente macroeconômico da época (abertura, desregulamentação econômica e privatizações) favoreceu o processo de transnacionalização da indústria produtora de insumos agrícolas que havia iniciado durante o período da ditadura militar. Segundo a mesma autora, a política agrícola favoreceu a difusão de uma oferta tecnológica intensiva em conhecimento e gerada no exterior devido à origem transnacional do pacote tecnológico em questão. Vale destacar que a estratégia institucional do INTA, explicitada no Programa de Biotecnologia Avançada de 1993, foi não competir com as empresas transnacionais, mediante a busca de nichos que não fossem contemplados pelas estratégias de tais empresas. Rossini (2004) destaca que o INTA – que havia dito um papel importante na difusão do cultivo de soja nos anos setenta – não contava com um grupo de qualidade em biotecnologia nesta espécie no momento em que esse cultivo se constituiu (e constitui) o de maior difusão e de maior importância econômica na última década. Em 2000 foi formulado um novo Programa de Biotecnologia, que destacou aspectos ligados à bioinformática e aos direitos de propriedade intelectual.

Está sendo colocado em prática no INTA um Plano Estratégico Institucional (PEI) 2005 – 2015. Trata-se de um instrumento bastante abrangente e audacioso que visa auxiliar no processo de modernização da Instituição e também delimitar linhas de ação que situem o INTA na fronteira do conhecimento. A idéia marcante do PEI é a de gerar aportes tecnológicos de caráter estratégico para o Sistema Agropecuário, Agroalimentar e Agroindustrial e que este esforço promova o desenvolvimento regional e territorial (INTA, 2004).

O principal marco legal que afeta as estratégias das empresas envolvidas com o processo de melhoramento vegetal na Argentina é a Lei N. 20.247 (Lei de Semillas y Creaciones Fitogenéticas), do início dos anos setenta. Porém sua efetiva utilização ocorreu somente no final dos anos oitenta, fruto de ações tomadas por parte dos melhoristas de trigo e depois também por parte dos melhoristas de soja. Em 1987 o INTA realizou seus primeiros projetos de vinculação tecnológica. Havia a percepção de que o Instituto tinha capacidade de desenvolver cultivares, mas tinha dificuldade em difundir e vender as cultivares em escala comercial. O objetivo dos convênios de vinculação tecnológica era justamente de aproveitar as capacidades de P&D do INTA e a experiência das empresas privadas na comercialização e multiplicação de sementes. Esses convênios enfatizavam a associação com empresas nacionais (incluindo cooperativas). Para a soja a associação foi com os Agricultores Federados Argentinos (AFA) e para o trigo com a Cooperativa Produsem, cooperativa que já havia desenvolvida tarefas conjuntas com o INTA em anos anteriores (Gutierrez & Penna, 2004).

Conforme Gutierrez & Penna (2004), de 1987 a 1997 a parceria entre o INTA e a Produsem funcionou bem. Porém, quando da renovação do convênio no ano de 1998, houve uma redução nos recursos destinados à pesquisa em genética de trigo, o que foi insuficiente para o financiamento dos investimentos. Além disso, os autores observam que o declínio dos convênios de vinculação tecnológica a partir de 1997/98 pode ter ocorrido, entre outros fatores, devido ao fato do INTA não contar à época com pessoal capacitado na área de agronegócios – sobretudo em relação à avaliação de rentabilidade e negociações comerciais – e também porque diminuiu o contato pessoal entre as partes envolvidas, o que prejudicou a troca de idéias e a supervisão das pesquisas.

Atualmente o INTA mantém um convênio no segmento de trigo com a Bioceres. A Bioceres é uma entidade formada por mais de 100 empresários agropecuários com o objetivo de facilitar a interação público-privada. Além da parceria com o INTA para a criação, multiplicação e comercialização de variedades de trigo, a Bioceres desenvolve outros projetos, como: transformações genéticas de soja com genes antifúngicos (em parceria com a Fundação da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidad de Buenos Aires); obtenção de plantas transgênicas de milho tolerantes ao vírus “mal de Rio Cuarto” (em parceria com o INTA); geração de plantas transgênicas de trigo, soja e milho tolerantes a seca e salinidade (em parceria com o CONICET e com a Universidad Nacional del Litoral) .

Gutierrez & Penna (2004) comentam que uma dificuldade que o INTA enfrentou nos Convênios de Vinculação diz respeito a concorrência com o setor privado. Quando o INTA iniciou com o Convênio de Variedades de Soja encontrou uma forte concorrência com a iniciativa privada, que apoiava suas atividades em empresas de prestígio e sólidos antecedentes de melhoramento genético, além dessas empresas importarem materiais trazidos dos Estados Unidos (no caso da soja isso foi bastante utilizado na Argentina). Porém, os autores ressaltam que o acontecimento mais contundente que permitiu o avanço da pesquisa privada sobre a pública foi a soja transgênica, sobretudo devido à falta de recursos necessários às novas pesquisas desenvolvidas pelo setor público e pela dificuldade em obter os genes respectivos com o setor privado. Gutierrez & Penna (2004) destacam também que com o final do Regime Militar, o INTA alterou sua forma de transferência de materiais de pesquisa para a iniciativa privada. Atualmente está em vigor a Resolução N. 99 de 1987 que estabelece que são de livre disponibilidade os materiais que não tenham sido objeto de fitomelhoramento por parte do INTA e sejam parte de coleções, ecotipos, clones e populações. Porém, cultivares, linhagens, materiais em processo de seleção e avaliação e todo o produto de um programa de melhoramento serão cedidos a quem os solicite segundo condições que o INTA estabelecerá em cada caso, segundo acordos.

De acordo com INTA (2007), a política de Vinculação Tecnológica (VT) realizada pelo Instituto pode ser divida em quatro etapas. A primeira corresponde à criação da política e o estabelecimento dos primeiros convênios, entre 1986 e meados dos anos noventa. A segunda etapa corresponde a meados dos anos noventa até o princípio de 2000. Essa fase foi caracterizada pela queda orçamentária das atividades de Ciência & Tecnologia dos Institutos Nacionais de Pesquisa da Argentina, o que “repercutiu negativamente sobre a qualidade e a quantidade de VT” (pg. 5). A terceira etapa ocorreu entre 2001 e 2004 e foi iniciada com uma revisão crítica das primeiras experiências e com a introdução de uma VT “onde a gestão da inovação passou a ter um papel mais importante” (pg. 5). A quarta etapa foi iniciada em 2005 e está articulada com o PEI 2005-2015. A sua principal característica é que a política de VT se dá a partir de uma visão mais integrada a respeito das atividades desenvolvidas pelo INTA nas diversas regiões argentinas.

Os principais tipos de vinculação tecnológica utilizadas pelo INTA são: transferência de tecnologia, que pode ser com ou sem cobrança de taxas; P&D compartilhada, que como no caso anterior incluem cláusulas de licenciamento; assistência técnica e científica; criação de empresas de base tecnológica; e vendas de produtos e serviços técnicos especializados (INTA, 2007).

Gutierrez & Penna (2004) consideram que com o amparo dos Direitos de Obtentor (DOV), o INTA pôde estabelecer uma nova política de transferência de suas cultivares para o setor privado, mediante licenças. O Instituto cria as variedades e seus parceiros (via licenciamento) se ocupam da produção e comercialização. Para os autores, os Institutos, com base nos DOV, devem estabelecer políticas apropriadas de articulação obtentor público/licencitário privado.

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