Espacios. Vol.29 (3) 2008. Pág. 10

Paradigmas Tecnológicos e Estratégias Concorrenciais nas Atividades de Tecnologia de Informação.

Technological Paradigms and Competitive Strategy in Information Technology

Paradigmas Tecnológicos e Estrategias de Competencia en las Actividades de Tecnología de Información

Antonio Carlos Diegues y José Eduardo Roselino


2. Coordenação do Processo Inovativo e Confrontamento entre Diferentes Paradigmas Tecnológicos nas TI: a Importância das Plataformas

A aplicação do processo de modularização nas atividades de TI, ao modificar os paradigmas tecnológicos do setor, criou as bases que viabilizaram a drástica reconfiguração de suas estruturas de mercado.

Ao fracionar o conjunto de tarefas e funcionalidades de um sistema em módulos distintos e autônomos, potencializou o processo de segmentação de capacitações entre agentes. Essa segmentação, por sua vez, ao diminuir as barreiras tecnológicas à entrada, incentivou a criação de novas empresas em segmentos específicos de mercado. De maneira complementar a esse processo, o rápido avanço tecnológico viabilizou a aplicação das TIs em uma ampla gama de atividades, fato este que potencializou as oportunidades de consolidação de novos entrantes.

Com a emergência de uma estrutura de mercado descentralizada, surgem as necessidades de se estabelecer padrões mínimos de coordenação entre agentes localizados nos mais diversos segmentos. É nesse contexto que pode ser entendido o conceito de plataforma tecnológica.

A partir de uma abordagem ampla, semelhante àquela adotada por autores como Bresnahan & Greestein (1999), Gawer & Herderson (2005), Cusomano & Gawer (2001) e West (2003), a plataforma tecnológica pode ser entendida como um sistema passível de evolução, composto por componentes independentes que possuem capacidade inovativa própria. Aplicando esta abordagem às atividades de TI, uma definição mais específica é aquela que entende uma plataforma como o estabelecimento e a evolução de um conjunto de regras e padrões de arquitetura e interface que possibilitam o processamento independente de tarefas e funcionalidades por meio de módulos distintos.

Num setor caracterizado pelo alto dinamismo e pela complexidade tecnológica como o de TI, esses módulos buscam prover soluções altamente específicas, configurando-se cada vez mais como produtos complementares às funcionalidades core da plataforma.

Em virtude da rápida e incessante evolução tecnológica verificada no setor, a resolução de novos problemas bem como a exploração de novos nichos de mercado constituem-se em fontes exponenciais de oportunidades inexploradas. O pleno aproveitamento destas possibilidades, por sua vez, está intrinsecamente relacionado com o domínio de um conjunto de capacitações, cada vez mais complexas e específicas. Dada a impossibilidade de um único agente, ou até mesmo um grupo restrito destes, dominarem esse conjunto complexo de capacitações, observa-se um espraiamento da capacidade inovativa entre os diversos módulos da plataforma.

Sendo assim, em decorrência dos padrões tecnológicos que habilitam as funcionalidades centrais das plataformas serem caracterizados por uma relativa estabilidade, observa-se que a inovação em módulos ou produtos complementares se configura como o elemento central da dinâmica inovativa nas plataformas de TI.

Com um processo inovativo descentralizado, não só a evolução tecnológica mas também a consolidação econômica das plataformas passam a depender cada vez mais do melhoramento e da incorporação de novas funcionalidades em produtos complementares. Isso porque o aumento constante das funcionalidades derivadas da inovação em produtos complementares tem a capacidade de influenciar a consolidação das plataformas.

Esse fenômeno ocorre basicamente em função das externalidades de rede. Isso porque as externalidades de rede criam retornos positivos cujos impactos se disseminam entre todos os agentes constituintes do sistema. Conforme afirmam Cusomano & Gawer (2001: 5), “quanto mais pessoas usam produtos organizados em torno de plataformas, existem mais incentivos para que sejam introduzidos produtos complementares, os quais estimulam mais pessoas a comprar ou utilizar os primeiros, estimulando assim mais inovação, ad infinitum”.

Esse ciclo virtuoso causa importantes impactos sobre a plataforma. O desdobramento econômico destes impactos está relacionado com a percepção de valorização do conjunto do sistema como um todo. Ou seja, quanto maior é a expansão das funcionalidades da plataforma, maior é seu espectro de aplicabilidade, fato este que reforça sua demanda e faz com que os potenciais consumidores passem a atribuir um maior valor à plataforma.

A maior valorização, por sua vez, deriva da percepção do consumidor dos impactos positivos que a utilização de um conjunto integrado, completo e padronizado de soluções é capaz de lhe proporcionar, dada a dificuldade de integração e de manipulação de soluções incompatíveis entre si. Em síntese, o valor da plataforma cresce de maneira mais que proporcional à criação de produtos e funcionalidades complementares.

Outro desdobramento está relacionado com os efeitos que as externalidades de rede exercem sobre a consolidação tecnológica da plataforma. Uma vez que a base de usuários tenha ultrapassado determinado nível crítico mínimo, os efeitos dos processos de learning by doing e learning by interacting são potencializados. Em outras palavras, na medida em que os usuários aprendam a manejar determinados produtos e tecnologias complexas de maneira eficiente, o custo de migração para plataformas que ofereçam funcionalidades similares torna-se muito alto (Arthur, 1988).

Além disso, e talvez mais importante, vale lembrar que cada plataforma é organizada em torno de padrões de arquitetura e de interface específicos, o que implica a aquisição de produtos também específicos. Assim, a migração para outras plataformas ou até mesmo mudanças radicais na atual implicam enormes custos de saída para o usuário (relacionados à necessidade de se adquirir novos produtos).

Por outro lado, a permanência prolongada em determinada plataforma e/ou sua relativa estabilidade tecnológica implicam a desvalorização mais gradual de seus produtos (Bresnahan, 2000). Nesse contexto, a análise dos efeitos das externalidades de rede sobre a dimensão tecnológica das plataformas, mostra que a consolidação destas é caracterizada por fortes efeitos de lock-in.

A partir da percepção dos efeitos de lock-in sobre a consolidação das plataformas, a análise do timing dos agentes passa a ser um elemento central na dinâmica concorrencial. Em outras palavras, o momento de entrada em determinado mercado passa a ser fundamental para o sucesso de determinada estratégia competitiva. Isso porque os efeitos das economias de rede atribuem vantagens substanciais aos first movers, ou seja, àqueles que conseguem construir uma plataforma capaz de gerar retornos positivos primeiro que os concorrentes (Arthur, 1990).

É justamente a partir da compreensão dos benefícios cumulativos derivados da apropriação destes retornos positivos que se verifica a importância da posição de liderança no desenvolvimento da plataforma. Em essência, o agente líder é aquele que apresenta maior capacidade de comandar a inovação e condicionar os padrões tecnológicos vigentes em determinada plataforma (Gawer & Cusomano, 2002). Conforme já fora afirmado, esse comando é exercido em grande parte através da elaboração de regras e padrões de design que condicionam as arquiteturas e as interfaces da plataforma.

Ao exercer o comando, o líder da plataforma se posiciona em um estágio hierarquicamente superior aos demais componentes do sistema. Como é o responsável pelas balizas que nortearão a evolução da plataforma, consegue arbitrar entre a segmentação de capacitações e responsabilidades de modo a auferir vantagens competitivas próprias. Essas vantagens desdobram-se em assimetrias frente aos produtores de módulos complementares, erigindo barreiras à entrada que limitam a migração destes para as funções core da plataforma.

Não obstante a capacidade de coordenação da inovação ser um determinante fundamental para o estabelecimento da liderança, não há necessariamente uma relação direta e imediata entre a qualidade do padrão tecnológico adotado por determinado agente e sua capacidade de liderar o mercado. Arthur (1988) e David (1985) ao destacarem a importância de pequenos acontecimentos históricos, lembram que a princípio, dadas as vantagens oriundas dos efeitos de first mover e de lock in, a consolidação de determinada plataforma deriva em grande parte de seu potencial de engendrar retornos positivos e economias de rede. Ou seja, nada assegura que um padrão tecnológico mais avançado (menos avançado) esteja automaticamente destinado ao sucesso (fracasso). Inúmeros exemplos clássicos, que vão desde o episódio Betamax versus VHS até a disputa entre Windows e MAC OS , ilustram tal fenômeno.

Entretanto, em determinadas situações onde os efeitos de lock in ainda não tenham atingido certa magnitude, a superioridade tecnológica pode ser um elemento positivo para a busca da liderança. Além disso, outros fatores como um alto market share, grande dinamismo inovativo e o estabelecimento de parcerias estratégicas com agentes em diversos módulos podem influenciar decisivamente na seleção da plataforma líder.

Nessa estrutura de mercado, onde a busca pelo controle das plataformas é fonte extremamente importante de assimetrias competitivas, grande parte das estratégias concorrenciais dos principais agentes é pautada por esse objetivo último.

3. Estratégias Concorrenciais num Ambiente de Competição via Plataformas Tecnológicas

Em virtude da alta complexidade de se formular e implementar estratégias concorrenciais com o intuito de se conseguir o controle das plataformas tecnológicas, Gawer & Cusumano (2002) buscaram compreender a dinâmica dos setores de TI a partir deste arcabouço. Para isso, estabeleceram uma estrutura analítica que agrega o conjunto de ações das firmas líderes de plataforma em quatro níveis, a saber: i) Escopo da firma, ii) Tecnologia do produto (arquitetura, interfaces, propriedade intelectual), iii) Relacionamento com produtores de complementos e iv) Organização interna.

O primeiro nível da estrutura, o escopo da firma, procura identificar qual deve ser a amplitude das atividades desta. A decisão sobre quais produtos complementares a firma deve desenvolver internamente e quais deve atribuir aos demais agentes é talvez o quesito mais importante para a manutenção e a consolidação da liderança na plataforma. Conforme fora citado anteriormente, grande parte do valor e da capacidade de geração de economias de rede de uma plataforma está relacionada com o grau de disponibilidade de produtos complementares. Porém, a segmentação de responsabilidades é condicionada pela interação complexa entre diversos fatores.

Em primeiro lugar, é necessário que haja uma ampla difusão entre os potenciais fornecedores de produtos complementares de um conjunto mínimo de capacitações tecnológicas. Do contrário a incessante introdução de novas funcionalidades derivadas do processo de consolidação da plataforma se tornaria impossível. No entanto, a descentralização de capacitações tecnológicas não é uma condição suficiente per se. Conforme lembram Cusumano & Gawer (2001), para que se observe a ampliação da oferta dos produtos complementares também é necessário que a estratégia da empresa líder tenha credibilidade frente às demais firmas da plataforma. Isso porque, dados os riscos e os custos de saída derivados da adoção de um determinado padrão tecnológico, os fornecedores de produtos complementares só se comprometerão com determinada plataforma se vislumbrarem nela altas oportunidades de lucro. Ou seja, a empresa líder tem que ser capaz de articular argumentos econômicos e tecnológicos que convençam outras firmas.

A habilidade para determinar o nível ótimo de descentralização também depende do conjunto de capacitações possuídas pela firma líder. Uma vez que esse conjunto pode assumir diferentes graus, é recomendável que a líder de plataforma desenvolva internamente apenas produtos complementares nos quais possua capacidade econômica e tecnológica de competir com agentes externos.

Para os demais produtos que também são importantes para a consolidação da plataforma mas que as líderes não têm capacidade de desenvolver internamente, surgem outras estratégias. Uma importante estratégia consiste na aquisição de empresas que dominem as capacitações necessárias para tal desenvolvimento. Na maioria dos casos essa é a maneira mais rápida e menos custosa de se criar capacitações. No entanto, essa estratégia, conforme será discutido pelo terceiro nível da estrutura analítica, pode prejudicar as relações de parceria com os fornecedores. Outra estratégia que também será mais bem explorada no terceiro nível da estrutura analítica, é o estabelecimento de parcerias que incentivem a incorporação de novas funcionalidades ou até mesmo a criação de novos segmentos de mercado. Por meio destas parcerias, empresas líderes e complementares se beneficiariam conjuntamente da ampliação do escopo (e da conseguinte maior valorização) da plataforma.

Ainda com relação ao desenvolvimento externo de produtos complementares acerca dos quais as empresas líderes não possuem competências, destaca-se a possibilidade de impulsioná-los através da criação de fundos de venture capital. Conforme lembram Cusumano & Gawer (2001), além de viabilizar a criação de novas competências, por meio destes fundos as líderes podem sinalizar para o mercado (através da escolha de projetos prioritários) quais são suas perspectivas acerca do avanço da plataforma.

Em síntese, observa-se que a decisão sobre o grau ótimo do escopo da firma depende de vários fatores complexos. Além disso, essa escolha não é definitiva. Uma vez que a criação de uma ampla gama de produtos complementares influencia permanentemente a evolução das plataformas, os esforços contínuos de delimitação do escopo tornam-se umas das principais condicionantes das demais estratégias da firma.

O segundo nível da estrutura proposta por Gawer & Cusumano (2002) analisa as diversas estratégias acerca da tecnologia do produto ou seja, especificações de arquitetura, interfaces e regimes de propriedade intelectual.

A definição da arquitetura determina o grau e o tipo da inovação e dos investimentos que ocorrerão externamente às empresas líderes, exercendo grande influência sobre a consolidação e a evolução da plataforma. Ou seja, a intensidade da modularidade dos padrões e das regras de design da tecnologia tem impactos substanciais sobre a estrutura da indústria. Conforme lembram Gawer & cusumano (2002:9) “a escolha de uma arquitetura modular (...) é particularmente importante. (Isso porque) designs modulares têm o poder de reduzir os custos de inovação para firmas externas e incentivar o surgimento de companhias especializadas que podem realizar grandes e criativos investimentos em produtos e serviços complementares.”

Além do grau de modularidade da arquitetura, também vale destacar a importância dos padrões de interface. O estabelecimento de interfaces abertas, permite uma maior conectividade entre os diversos componentes da plataforma. Com regras de interface especificadas publicamente pela líder da plataforma, potenciais firmas complementares tornam-se aptas a aderirem à plataforma.

Outra variável estratégica na definição e na consolidação de plataformas líderes é o regime de propriedade intelectual adotado. Isso porque, tal qual o estabelecimento da arquitetura e das interfaces, um regime de propriedade intelectual que dissemine informações técnicas configura-se num incentivo para o desenvolvimento de produtos complementares.

Apesar destes inúmeros benefícios que se associam à adoção de uma plataforma aberta, tal estratégia também incorre em diversos riscos. A definição do grau ideal de abertura envolve um conjunto de variáveis que interagem entre si de maneira complexa. Por um lado, arquitetura, padrões de interface e regimes de propriedade intelectual abertos ampliam a valorização da plataforma através da inovação e do desenvolvimento de produtos complementares (Bresnahan, 1998). Por outro, um grau de abertura demasiado pode fazer com que as líderes da plataforma percam o domínio exclusivo sobre informações e competências tecnológicas estratégicas.

Conforme se pode observar, a escolha sobre os padrões de tecnologia a serem utilizados é uma variável estratégica. Ao mesmo tempo em que estes necessitam ser abertos para incentivar a geração de economias de rede, precisam proteger os investimentos e os ativos estratégicos das firmas líderes da plataforma (Bresnahan, 1998). Assim, a capacidade de arbitragem deste trade-off é provavelmente até mais importante que as características inerentes à própria tecnologia utilizada .

O terceiro nível da estrutura analítica procura examinar as várias dimensões do relacionamento entre firmas líderes e produtores de complementos. Essas dimensões concretizam-se nas dicotomias entre consenso e controle, e entre colaboração e competição.

O pré-requisito para o estabelecimento de uma plataforma líder é a obtenção de um certo consenso entre uma vasta e diversificada gama de agentes. É somente a partir da concordância entre as empresas líderes e estes agentes acerca de especificações técnicas de arquitetura e de interface que se viabiliza o desenvolvimento de produtos complementares. Na ausência de um consenso mínimo o risco de fracasso da plataforma é imenso. Nessa mesma linha, Richardson (1972) afirma que a essência da cooperação reside no fato de que os parceiros aceitam a comprometerem-se com algumas obrigações e fornecem, em contrapartida, um certo grau de garantia quanto ao seu comportamento futuro.

Paralelamente a esse consenso, as empresas líderes também têm que exibir uma certa capacidade de controle sobre a evolução da plataforma por dois motivos principais. Por um lado, o domínio sobre os padrões e as regras de design afeta continuamente todos os agentes e, por isso, é condição estratégica para o controle da evolução tecnológica da plataforma. Por outro lado, em virtude das incessantes modificações tecnológicas, a manutenção da conectividade entre produtos complementares influencia diretamente o valor econômico da plataforma.

Apesar da importância da dimensão controle / consenso sobre a consolidação da plataforma, nota-se que a consecução simultânea destes objetivos é no mínimo instável. A diminuição desta instabilidade necessariamente passa pela compreensão por parte das firmas líderes da importância de se estabelecer relacionamentos de dependência mútua. Mais do que tentarem simplesmente se impor, é necessário que as empresas líderes fomentem um ambiente que estimule a inovação, gere externalidades de rede e ao mesmo tempo consolide suas posições de liderança.

A necessidade de se engendrar tal ambiente nos remete à dicotomia entre colaboração e competição. Conforme já fora afirmado anteriormente, o estabelecimento de relações de cooperação com os demais agentes gera vários impactos positivos sobre a plataforma. Grosso modo, estes impactos se desdobram no aumento do escopo da plataforma (através da inovação em produtos complementares), na geração de externalidades de rede e na conseguinte consolidação da plataforma.

No entanto, o estabelecimento de parcerias é um processo altamente complexo, uma vez que envolve a arbitragem constante entre as decisões estratégicas sobre quais serão as atividades core das empresas líderes. Nesse sentido, Richardson (1972), procura mostrar que as empresas líderes devem se concentrar em atividades similares (que requerem os mesmos conhecimentos, experiências ou qualificações), estabelecendo parcerias apenas para atividades complementares (nas quais as empresas parceiras devem harmonizar seus planos), correspondentes a fases distintas de um mesmo processo produtivo.

Dado que as parcerias envolvem a disseminação do conhecimento tácito e de informações importantes, as capacitações estratégicas podem fluir para ambos os lados da parceria. Assim corre-se o risco do aprendizado tecnológico e inovativo de fornecedores complementares torná-los aptos a contestar futuramente a própria líder da plataforma.

Num plano oposto, as empresas complementares também sofrem uma série de riscos. Muitas vezes as empresas líderes podem apenas estar interessadas em estabelecer parcerias com o intuito de adquirir capacitações extras para depois se inserir como um novo competidor nos segmentos das parceiras. Dado o maior poder de mercado dessas líderes, tal inserção implicaria sérios riscos à sobrevivência das fornecedoras complementares.

Em virtude destes fatores, o estabelecimento de parcerias é um processo altamente delicado. Assim, seu sucesso está intrinsecamente relacionado com a criação de um ambiente de confiança mútua entre os agentes. Com relação às empresas complementares, é necessário que estas busquem demonstrar que realmente estão comprometidas com a consolidação da plataforma em questão. Além disso devem posicionar-se como provedoras de funcionalidades complementares e não como potenciais contestadoras dos atuais padrões tecnológicos. No que diz respeito às empresas líderes, é necessário que estas se comprometam a não expandir constantemente seu escopo para novos segmentos de modo a prejudicar a viabilidade econômica das fornecedoras complementares. (Cusumano & Gawer, 2001). Para tal, um amplo conjunto de sinalizações, assim como de medidas organizacionais (abordadas no próximo nível da estrutura) podem influenciar positivamente no estabelecimento da confiança mútua.

No entanto, apesar da importância da cooperação entre líderes e empresas complementares, os mecanismos de incentivo à evolução tecnológica da plataforma devem ter como pré-requisito a existência de um estado latente de competição. Este estado de competição caracteriza-se por ser um ambiente em que tanto as empresas líderes quanto as complementares sejam receosas acerca da capacidade de expansão recíproca para seus respectivos segmentos de atuação. Nesse cenário, amedrontadas pela capacidade de expansão das parcerias, buscariam inovar constantemente de modo a construir barreiras à entrada em seus segmentos.

Em síntese, a relação entre empresas líderes e complementares é ao mesmo tempo essencial para a consolidação da plataforma, e uma fonte de potenciais instabilidades para a evolução desta. Tal instabilidade, por sua vez, deriva da percepção de que apresenta paralelamente dicotomias entre controle e consenso, colaboração e competição.

O quarto e último nível da estrutura analítica proposta por Gawer & Cusumano (2002) descreve em que medida a organização interna pode influenciar na consolidação e evolução das plataformas. Sua análise concentra-se na capacidade que estruturas, processos e culturas de gerenciamento possuem de incentivar a geração de externalidades positivas entre empresas líderes e complementares.

Em primeiro lugar, os autores mostram que é necessário que os conflitos entre diferentes grupos internos às organizações sejam administrados. Dada a complexidade que envolve o conjunto de capacitações que forja uma plataforma, é altamente provável que existam discordâncias estratégicas entre grupos alocados em uma mesma firma. Uma grande fonte de tais discordâncias é provocada pelo conflito de interesses entre grupos responsáveis por diferentes funcionalidades da plataforma. Isso porque conforme a plataforma evolui, diferentes funcionalidades são criadas, extintas ou modificadas.

Com o intuito de diminuir tais conflitos, Gawer & Herderson (2005) destacam a importância do estabelecimento de uma hierarquia organizacional que faça com que divisões e grupos de trabalho com responsabilidades tecnológicas potencialmente conflitantes sejam subordinados a diferentes comandos. Outra característica importante destacada pelos autores é a separação as áreas de prospecção de novos negócios / tecnologias das equipes responsáveis pela tecnologia atual. Assim, com uma estrutura mais desintegrada, o potencial de conflitos internos tenderia a diminuir.

De maneira complementar aos efeitos de tais medidas, Gawer & Herderson (2005) também mostram que é necessário que as empresas adotem procedimentos que sejam tolerantes à divergência interna de opiniões. Essa constatação, por sua vez, decorre do fato de que em um ambiente no qual o processo inovativo é complexo, incerto e inter-disciplinar (Dosi, 2000) uma cultura organizacional que incentive a busca de soluções por meio de diferentes maneiras pode potencializar o aprendizado tecnológico interno.

Não obstante esses benefícios internos, nota-se que algumas das implicações destas medidas transbordam para o ambiente externo à empresa, afetando inclusive suas parcerias com empresas complementares. Isso porque, na medida em que as empresas líderes estabelecem uma estrutura organizacional baseada em equipes desintegradas, conseguem fazer com que essas equipes estabeleçam relações mais próximas e flexíveis com as parceiras. Essas proximidade e flexibilidade maiores, por sua vez, permitem uma maior transmissão do conhecimento tácito.

Além disso, a estrutura organizacional desintegrada também influencia positivamente a credibilidade das empresas líderes frente às fornecedoras complementares. Ao estabelecerem parcerias com equipes desintegradas, as empresas complementares vislumbram uma menor possibilidade de ‘vazamento’ de informações estratégicas relativas às suas capacitações (seja para outras firmas ou até mesmo para departamentos das mesmas empresas líderes com os quais concorrem em outros segmentos).

Em síntese, Gawer & Herderson (2005) destacam a importância das empresas estabelecerem uma estrutura organizacional que seja condizente com a compreensão da plataforma como um sistema no qual um amplo espectro de agentes está ligado por meio de uma dependência mútua. Ou seja, a dinâmica concorrencial de indústrias caracterizadas por produtos organizados em torno de plataformas deve se amparar em “uma visão que constata que o ecossistema em torno destas plataformas pode ser maior do que a soma de todas suas partes“ (Cusumano & Gawer, 2001).

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