Espacios. Vol. 29 (1) 2008. Pág. 23

Como, quando e quanto investir em tecnologia de informação: Uma análise de múltiplos casos

How, when and how much to invest in information technology:  an analysis of multiple cases

José Augusto da Rocha de Araujo1 y Fernando José Barbin Laurindo2


3 Aspectos Metodológicos

O objetivo deste trabalho é verificar como se pode buscar eficiência de investimento em TI analisando os fatores  que influenciam a tomada de decisão sobre investimentos em TI nos vários tipos organizacionais — estratégico, transição, suporte e fábrica — verificando o alinhamento entre as estratégias de negócios e a estratégia de TI, em  uma avaliação além de fatores financeiros, considerando as questões de como, quando e quanto investir.  Desta forma e tendo em vista a base teórica apresentada (resumida no quadro 1), serão investidas as seguintes proposições:

·    As decisões acerca de “Como investir em TI” são decorrentes do alinhamento estratégico entre TI e negócio e da escolha de aplicações de TI eficazes que satisfaçam às necessidades da empresa e que possam criar vantagem competitiva.

·    As decisões sobre “Quando investir em TI”  resultam da análise dos impactos, presentes e futuros, da escolha da estratégia de TI para competitividade das empresas, sendo que necessidades internas e externas determinam o momento da se realizar o novo alinhamento

·    As decisões referentes a “quanto investir em TI”, implicam que se devam considerar quais são os fatores quantitativos e qualitativos que dão sustentação à vantagem competitiva e quais são os fatores críticos de sucesso para sua implementação, focalizando, entretanto, não somente a nova aplicação da TI, mas também a integração  dos investimentos em TI com outros  investimentos organizacionais adicionais.

Deve-se destacar que  a questão “quanto investir” será tratada somente no tocante aos aspectos qualitativos relacionados às decisões desta natureza.

Para investigar a questão de pesquisa proposta como objetivo deste trabalho, bem como as proposições acima, optou-se por uma  pesquisa de caráter exploratório, desenvolvido através da abordagem de estudo de múltiplos casos, o que permitiria analisar como os fatores estão envolvidos neste processo (YIN, 1991; CLAVER et al., 2000). A análise será baseada nos conceitos expostos no item anterior, que constituíram o modelo teórico de referência.

Os critérios de seleção das empresas para o estudo de caso foram: (i) enquadramento preliminar em diferentes quadrantes do Grid Estratégico de McFarlan; (ii) a existência de um expressivo e diversificado conjunto de projetos de TI, que impliquem em decisões sobre os investimentos a serem realizados quantos aos aspectos como, quando e quanto investir.

Com base nestes critérios foram selecionadas cinco empresas para serem estudadas, de portes diferentes e atuando em setores de atividades distintos.

4 Estudos de múltiplos casos

As empresas selecionadas foram investigadas quanto aos aspectos de estratégias de negócios, o alinhamento da estratégia de TI e sua estrutura de tecnologia de informação, com a possibilidade de avaliar e identificar as variáveis de decisão de “como, quando e quanto investir’, evidenciando os possíveis resultados em função da dependência que a empresa possui de tecnologia de informação.

A coleta de dados deu-se através de análise de material bibliográfico, visitas para análise da estrutura de TI e entrevistas semi-estruturadas com os responsáveis das áreas de planejamento estratégico e tecnologia de informação nas organizações. As questões formuladas no roteiro de pesquisa para as entrevistas buscaram investigar as proposições sobre o alinhamento entre a estrutura de TI e a estratégias corporativas em razão de como, quando e quanto investir.

4.1 Estudo de caso 1

O primeiro estudo de caso foi realizado em uma empresa do ramo alimentício que produz e comercializa sorvetes. Participa do mercado brasileiro, exporta para Argentina e Uruguai, compõe um grupo transnacional que atua em diferentes mercados e em diversos ramos de atividades.

A estratégia de negócios regional privilegia o aumento da lucratividade do negócio, tendo como foco a satisfação dos clientes e a integração com os fornecedores. A estratégia de operações regional integra uma gestão global de operações; a estratégia corporativa é definida pela controladora que detém, além da visão macro-econômica dos países onde atua, todas as informações dos mercados, dos custos dos processos regionais, das atividades, das oportunidades de investimentos, da logística das fábricas, das leis internacionais, da capacidade produtiva, entre outras informações que direcionam a estratégia competitiva global.

A subsidiária brasileira informa em relatórios de formato padrão sobre suas operações; a controladora avalia o risco do negócio e as condições de operações da planta de produção, definindo  a estratégia competitiva, a de  produção e a de TI. O sucesso desse modelo é decorrente de avaliações e estudos das necessidades de recursos de produção, identificando a estrutura de TI que possa integrar os recursos produtivos eficientemente.

O objetivo é criar vantagens competitivas por meio da padronização das atividades, dos processos e dos produtos, buscando a eficiência na produção, na economia de escala e na racionalização dos projetos.

O processo produtivo segue o padrão mundial, dividido em dez etapas: estocagem de matérias-primas; mistura; homogeneização; pasteurização; mistura com frio e ar; envase; congelamento; embalagem; paletização; estocagem do produto acabado. Existem nesse processo custos  variáveis em relação ao volume e ao tempo de produção e custos fixos, como, por exemplo, os de estocagem.  Estas atividades demandam coordenação através das informações.

Os sistemas de informação são desenvolvidos de maneira a identificar as variações ocorridas no processo, informar sobre mudanças das atividades e apurar o resultado dessas mudanças, além de demonstrar, periodicamente, as atividades que necessitam ser modificadas para aumentar a competitividade, não apenas em âmbito regional, mas também mundial. Os sistemas realizam um check list do desempenho das atividades regionais, comparando-os com o desempenho da empresa benckmark, viabilizando novas soluções e multiplicando o aprendizado.

A empresa é dependente de sua estrutura de TI  principalmente para suas operações; portanto, os investimentos são direcionados para os sistemas de apoio dependendo de sua importância para o mercado e facilidades produtivas. A estratégia de TI visa a disponibilização das ferramentas tecnológicas necessárias ao controle e ao atingimento das metas corporativas.

Observa-se que a estrutura de TI tem uma grande influência na estratégia de operações e um alto impacto nas ações de curto prazo, porém não é avaliada para a formação de competências de longo prazo. Não se planejam novas aplicações de TI de que se esperem vantagens estratégicas. Segundo McFarlan (1984), a organização dessa estrutura de TI indica o quadrante “fábrica”.

“Como investir” em TI seria a maneira escolhida para definir as ferramentas de TI necessárias para sustentar a estratégia de operações.  Nesse caso, o comitê executivo da matriz determina as potencialidades e oportunidades dos negócios e os investimentos.

O alinhamento entre os interesses da estratégia de negócios global e a estratégia competitiva regional é o elemento-chave da análise de “quando investir”. Assim, a escolha da estrutura de TI, como, por exemplo, softwares, equipamentos, treinamentos, é definida visando a atender os objetivos estratégicos globais e regionais, não apenas para a subsidiária brasileira, mas para todas da cadeia produtiva.  Isto caracteriza a perspectiva de alinhamento “execução de estratégia”.

O “quanto investir” refere-se à importância que a subsidiária tem na estratégia de negócios global e na cadeia produtiva. Isso depende de diversos fatores do país, como  a economia, o ambiente competitivo, a disponibilidade de recursos naturais, o tamanho do mercado local, entre outras variáveis, que, combinadas, direcionam o volume de investimentos.

A subsidiária brasileira tem grande importância para a estratégia competitiva global devido ao tamanho do mercado interno. Então, optou-se por um modelo de logística e distribuição entre Brasil, México e Chile, cuja governança pertence à subsidiária local. Dessa forma, foi possível conseguir melhores condições de operações em termos de redução de custos, incentivos fiscais e tecnologias disponíveis, o que resultou em mudanças nos vários sistemas tecnológicos e ainda no desenvolvimento de uma rede de  informações integrada com fornecedores e  clientes.

4.2 Estudo de caso 2

O segundo estudo de caso apresenta uma empresa do ramo químico que produz  matéria-prima para a fabricação de pneus. Atualmente é líder no mercado mundial e encontra-se na segunda colocação no mercado nacional, com aproximadamente 30% de participação. A estratégia de negócios mundial atual é manter a liderança, conquistada por estratégias orientadas para a qualidade e para os custos. A empresa está também ampliando suas atividades no país com a compra de novos negócios; o intuito é aumentar o mix de produtos e a flexibilidade do processo produtivo sem, entretanto, comprometer o  market share atual.

A empresa possui fábricas em 25 países e escritórios de vendas em 112 países. As operações regionais não integram uma gestão global de operações, sendo de total responsabilidade do CEO de cada unidade regional a escolha da estratégia competitiva, assim como a da estratégia da produção e de TI de sua respectiva região.

A matriz estabelece as metas de negócios para cada unidade e as controla através de relatórios de indicadores não-financeiros. O resultado financeiro é cobrado na forma de royalties e dividendos. Atualmente existe expectativa de mudança na competição no mercado interno, com a entrada de um forte concorrente mundial, que iniciou sua produção em 2002 com a implementação de uma planta industrial de alta tecnologia.

O processo de produção é decorrente da combustão em altas temperaturas de diversos tipos de óleos e aditivos, variando conforme a característica específica do produto a ser produzido, e a tecnologia utilizada na produção atende as expectativas de qualidade e redução de custos.

Os sistemas de controle de produção e os de gestão administrativa não estavam integrados quando a pesquisa foi desenvolvida. A empresa possui diversos sistemas de gestão independentes, tais como o de custeio por absorção full cost, compras, controle de estoques, faturamento, programação e controle de produção, folha de pagamento, contabilidade. A empresa elabora relatórios de orçamento e de gestão econômica em planilhas eletrônicas, com o intuito de fixação dos preços de vendas, identificação da lucratividade dos produtos e  rentabilidade do negócio.

A empresa, portanto, não é dependente de sua estrutura de TI para formar competências ou se diferenciar de seus concorrentes; a tecnologia utilizada e os sistemas de informação existentes auxiliam suas atividades, porém não são relevantes para a estratégia de operações e competitividade. Entretanto, a empresa implementou em seguida um ERP para coordenar a utilização dos recursos e organização das atividades, melhorando sobre maneira a eficiência do sistema de produção, os produtos fabricados atendem as dimensões de qualidade e custos, e não existem planos de investimentos futuros em TI; assim, segundo a definição do grid estratégico, essa empresa está situada no quadrante de suporte.

A reflexão da empresa de “como investir” em TI é orientado para as metas corporativas de redução de custos e de aumento da produtividade. Desta forma, os poucos investimentos são focados em tecnologias fundamentais para suporte das operações e em equipamentos secundários que garantam a produtividade.   A perspectiva de alinhamento que melhor exprime esta situação é a de “nível de serviço”. As oportunidades de “quando investir” estão relacionadas com as mudanças externas do ambiente competitivo. Assim, os investimentos em TI visam a atender aos padrões de eficiência e produtividade de curto prazo.

O “quanto investir” está relacionado com os objetivos de curto prazo da empresa dependente de recursos financeiros, portanto não existe um planejamento estratégico considerando as oportunidades de futuros investimentos em TI, e apenas a manutenção dos sistemas é avaliada.

4.3 Estudo de caso 3

O terceiro estudo de caso trata de uma empresa do setor siderúrgico brasileiro que tem apresentado resultados surpreendentes de competência e competitividade no cenário mundial e está competindo não somente em custos, mas também em outras importantes dimensões, como qualidade, flexibilidade e inovação.

A estratégia de negócios da empresa e sua missão podem ser assim descritas: a organização tem por objetivo social a exploração da indústria siderúrgica e correlatas, o comércio, a importação e a exportação de produtos e subprodutos siderúrgicos, matérias-primas, execução e elaboração de projetos de pesquisa, treinamento de pessoal especializado, mineração, transporte, construção e prestação de assistência técnica.

O processo inicial de automação e introdução da TI na empresa, bem como de sua estrutura de TI, deram-se através de desenvolvimento interno, focalizando o controle do processo de produção. Isso ocorreu devido aos fatos de o país estar, naquela época, fechado à importação de tecnologia estrangeira na área de informática, e as empresas brasileiras de hardware e software não possuírem o grau de tecnologia e competência necessário para o desenvolvimento de novas soluções.

“Como investir” focou a necessidade de a empresa adquirir competência na produção e na necessidade de construir uma estrutura de TI eficaz (Laurindo, 2002), que atendesse aos objetivos do desempenho competitivo, além de focalizar as capacidades a serem suportadas ou desenvolvidas e que influenciariam o sucesso corporativo.

A solução foi realizar um levantamento sobre quais eram as necessidades de investimentos em TI e de que forma suportariam as estratégias de negócios em função da melhoria do processo produtivo e da integração com os sistemas administrativos.

Uma mudança gradativa aconteceu no aumento da importância da estratégia de TI em relação à estratégia corporativa.  Inicialmente a estratégia da empresa foi focada na produção. Em seguida, procurou-se desenvolver uma estrutura de TI que pudesse dar suporte à estratégia de negócios pela padronização e parametrização das atividades em um sistema ERP. Após essa fase, a empresa focou aprimorar sua estrutura de TI, objetivando adquirir competência nos processos produtivos e conseguir ganhos de produtividade.

Atualmente, a empresa desenvolveu uma metodologia de gestão estratégica de negócios (GEN). O objetivo é desenvolver uma ferramenta tecnológica capaz de auxiliar as estratégias competitivas. Assim, a metodologia GEN foi introduzida para interagirem os objetivos da estratégia de negócios com a estratégia de produção, totalmente suportada  pela rede de computadores da empresa, e possibilitar acesso  a todos os executivos da companhia nos mais diversos níveis decisórios. O monitoramento permanente dos indicadores de desempenho é o ponto forte dessa metodologia, auxiliando a criação de vantagem competitiva sustentável, possibilitando respostas rápidas às oportunidades e ameaças do negócio.

Segundo o Grid Estratégico de McFarlan (1984), a empresa está enquadrada no quadrante de transição, a TI é utilizada como uma ferramenta de planejamento estratégico que visa a integrar a gestão de produção, a gestão administrativa e de negócios, buscando conseguir maior competitividade pela integração da empresa com as necessidades dos clientes, além de criar uma rede de conhecimento e aprendizado contínuo.

Para se conseguir esse resultado, a solução foi identificar a real dependência de TI e a eficaz estrutura de TI capaz de suportar a estratégia de negócios; a partir de então, novas soluções foram necessárias para a integração dos sistemas existentes. O “quando investir” foi resultado do alinhamento estratégico entre os objetivos corporativos e as soluções de ERP (Henderson e Venkatraman,1993) fornecendo dados para uma gestão de negócios integrada.  Esta situação mostra a perspectiva de alinhamento “transformação tecnológica”.

A análise do “quanto investir” avançou além da avaliação financeira, pois a empresa possui equilíbrio financeiro de curto prazo favorecendo a análise econômica do custo-benefício, direcionando a decisão numa análise estratégica, sobre as vantagens e prioridades competitivas, em que a empresa necessita investir para ser competitiva. O resultado da escolha da nova estrutura de TI possibilitou a flexibilização da produção aumentando a capacidade de resposta às necessidades de mercado e encontrar novas soluções de produtos e processos inovadores. Desta forma, a escolha das aplicações de TI pode mudar a forma da empresa competir (Porter & Millar, 1985).

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