Espacios. Vol. 27 (2) 2006. Pág. 23

Tecnologia social: retomando um debate

Tecnologia social: retomando um debate

Social technology: To retake a debate

Renato Dagnino


6 Vamos ver o que pode ser feito

Como começar?

Eu acho que é fazendo isso que nós estamos fazendo aqui. Questionar esta maneira de organizar a pesquisa na universidade é um primeiro e necessário passo. Claro que não podemos parar aí. Não se pode só criticar 7.

Nós temos que gerar uma nova cultura institucional que seja favorável à Tecnologia Social.

Uma cultura institucional que viabilize uma agenda, de pesquisa e de formação de recursos humanos, coerente com a IS, a Economia Solidária, coerente com a Tecnologia Social, alargando o seu nicho, no interior do conjunto de projetos que diferentes atores sociais impulsionam de forma aderente à Tecnologia Convencional.

Dado que nossa política de pesquisa, nossa agenda de pesquisa, é, de fato, uma lista de projetos - aquele conjunto de projetos amorfo a que me referi - não parece tão difícil introduzir ali uma cunha de racionalidade 8. Ao criticar a maneira como essa agenda é conformada será possível explicitar a conveniência de que ela contemple o interesse de outros atores sociais. De atores sociais que podem alavancar a mudança social que interessa às cooperativas, aos excluídos.

Hoje, na universidade, o movimento docente de esquerda denuncia que o neoliberalismo está desmantelando a universidade. Mas continua fazendo tudo aquilo que o neoliberalismo quer que a gente faça. Parece que não existe esquerda nem direita, porque o professor de ultra-esquerda e o professor de ultra-direita fazem a mesma pesquisa, dão a mesma aula9. Então, que diabos! Espera-se que milagres aconteçam?

As universidades federais ficaram paradas dois meses. A UNAM, no México, ficou em greve por um ano. Quem na sociedade, que força social, se levantou para dizer: “Ô governo, dá um jeito nisso! Nós precisamos da universidade!”

Imagine nos EUA, se Berkeley ou Stanford ficasse parada uma semana. No outro dia estavam as multinacionais, a grandes empresas, a sociedade em geral, batendo na porta, “Ô governo, nós precisamos desse laboratório, os pesquisadores que estão adquirindo conhecimento aqui são importantes para nós!”

Nossa universidade é disfuncional, ela não serve nem para a classe dominante nem para a classe dominada, é uma universidade que está no limbo. E a esquerda universitária continua sem buscar alianças, no interior da sociedade, que possam defender a universidade. Até por uma questão bem corporativa e pragmática, seria bom perguntar: quem é que vai nos defender do neoliberalismo? Vai ser o grande capital multinacional? Vai ser o grande capital nacional em processo de extinção? Ou será que vão ser outros os aliados? Se vão ser outros, quem são, onde estão?

E aí voltam as questões que estamos aqui discutindo: a Economia Solidária, os empreendimentos autogestionários. Parece-me, que essa coisa que nós estamos tentando fazer é muito mais importante do que a gente vislumbra à primeira vista. Os desafios que esses conceitos colocam para a nossa relação com o conhecimento (que é a coisa mais preciosa e mais humana que o Homem possui) são muito grandes, muito significativos. Cabe a nós recolher esses desafios e tentar fazer com que eles façam parte do nosso dia a dia, da pesquisa, do ensino, enfim, daquilo que nós fazemos aqui.

7 Referencias bibliográficas

Bijker, Wiebe (1995): Of Bicycles, Bakelites, and Bulbs. Toward a Theory of Sociotechnical Change, Cambridge, Massachussets, Londres.

Dagnino, Renato (2004): A Relação Pesquisa–Produção: em busca de um enfoque alternativo. In Santos, Lucy e outros: Ciência, Tecnologia e Sociedade: o desafio da interação. IAPAR, Londrina, p.103 – 146.

Dagnino, Renato (2002): Enfoques sobre relação Ciência, Tecnologia e Sociedade: Neutralidade e Determinismo. In Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a ciência e a cultura, Sala de Lectura CTS+I de la OEI, disponível em http://www.campus-oei.org/salactsi/index.html.

Dagnino, Renato e Gomes, Erasmo (2002): O Processo Decisório na Universidade Pública Brasileira: uma visão de Análise de Política. Avaliação - Revista da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior, Campinas. vol. 7, fasc. 4, p. 43-72.

Dagnino, Renato: Em direção a uma estratégia para a redução da pobreza: a Economía solidaria e adequação sócio-técnica In Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a ciência e a cultura, Sala de Lectura CTS+I de la OEI, disponível em http://www.campus-oei.org/salactsi/index.html.

Feenberg, Andrew (2002): Transforming Technology. Oxford University Press.

Hughes, Thomas (2001): Technological Moment. In Smith, Merritt Roe e Marx, Leo, (eds.), Does Technology drive history? , MIT Press.

Lacey, Hugh (1999) Is science value-free?: values and Scientific Understanding. Londres, Routledge.

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7 Faço um tratamento detalhado deste tema em Dagnino, Renato (2003): Conferencia Inaugural. In Krotch, P. (compilador): Las Miradas de la Universidad. Ediciones Al Margen, Buenos Aires. pg. 35-55.
8 Em Dagnino, Renato e outros (2002): Gestão Estratégica da Inovação: metodologias para análise e implementação. Taubaté, Editora Cabral Universitária, se apresenta um conjunto de metodologias que poderiam ser usadas para tornar mais racional o processo de conformação da agenda de pesquisa de universidades e instituições de pesquisa.
9 Em Dagnino, Renato; Gomes, Erasmo; Costa, Greiner; Higa, Willian; Thomas, Hernan (2003). Por uma Política de Ciência e Tecnologia de Esquerda. Alternativas – Serie Espacios Pedagógicos. 8(23), pós-graduação. 95-108, se esboçam algumas idéias acerca do que poderia ser um comportamento dos professores e pesquisadores de esquerda mais coerente com sua ideologia.

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