Espacios. Vol. 24 (2) 2003

Avaliação de impactos sociais de programas tecnológicos na agricultura do estado de São Paulo

Evaluación de impactos sociales de programas tecnológicos en la agricultura en el estado de Sao Paulo

Social Impact of Technological Programs in Agriculture, Sao Paulo

Maria Beatriz M. Bonacelli, Mauro Zackiewicz y Adriana Bin


2. Metodologia de Avaliação de Impactos – a dimensão social

A seguir são apresentados os aspectos gerais da metodologia de avaliação de impactos aplicada aos dois programas tecnológicos descritos no item anterior, assim como os aspectos específicos que caracterizam, no marco metodológico descrito, a avaliação de impactos sociais.

2.1. Aspectos gerais da metodologia 4

A metodologia de avaliação de impactos de programas tecnológicos se baseia na identificação e mensuração ex-post da importância e intensidade de transformações de certos aspectos da realidade em conseqüência do desenvolvimento, adoção e difusão de um programa de pesquisa, programa tecnológico e/ou nova tecnologia. A metodologia baseia-se na possibilidade de fazer “conversar” diferentes dimensões da avaliação preservando suas características particulares dentro de um mesmo marco metodológico e no envolvimento de atores direta ou indiretamente relacionados com o objeto da avaliação e que percebem os impactos de forma heterogênea, dadas as suas situações particulares.

As dimensões da avaliação são “recortes” da realidade descritas por meio de uma estrutura hierárquica de componentes (a estrutura de impactos), que se constitui no elemento organizador e mediador das informações e juízos necessários para a avaliação de impactos. Ou seja, a estrutura de impactos é uma base formal que funciona como uma "rede" cognitiva a indicar sobre quais aspectos se deve examinar a extensão dos efeitos de uma determinada nova tecnologia. Cada dimensão é descrita por um número n de componentes, que por sua vez também são descritos por um número m de componentes e assim por diante, formando uma hierarquia ramificada. Os componentes cuja variação é mensurada no campo (componentes básicos), representam o nível mais desagregado da hierarquia.

Para o caso estudado, as dimensões e as estrutura de impactos correspondentes –dimensões econômica, social, ambiental e de capacitação (ESAC)– procuraram representar os aspectos referentes ao universo da agricultura no Estado de São Paulo, sendo válidas para a totalidade de tecnologias nesse contexto. Ressalta-se, no entanto, que essa generalização leva a aderências diferenciadas das estruturas em relação ao universo empírico avaliado.

O questionário orientador da pesquisa de campo, derivado das estruturas de impactos, utiliza escalas ordinais, intervalares ou proporcionais para medir as transformações nos componentes e as relações de causalidade entre a introdução da tecnologia e a transformação percebida, de forma a separar a fração de impacto efetivamente atribuível à tecnologia. Por meio de uma função de transformação, os resultados apontados nas escalas são convertidos para o intervalo contínuo [-1,1], sendo que o 1 denota o máximo impacto positivo (desejável), o –1 denota o máximo impacto negativo (indesejável) e o número 0 denota a inexistência de impacto.

Após a consulta aos participantes, são verificados os padrões de distribuição de freqüências das respostas, a partir dos quais obtém-se seu grau de coesão e os valores representativos dos dados da amostra. O cálculo do impacto em cada um dos componentes básicos é o produto entre esse valor representativo e o peso do componente na estrutura. Os impactos nos níveis superiores da estrutura são obtidos pela adição ponderada dos componentes dos níveis inferiores, até que se obtenha o valor final de impacto para uma dada dimensão.

2.2. A estrutura de impactos da dimensão social

A concepção da estrutura de impactos da dimensão social foi balizada no contexto dos objetos avaliados – agricultura paulista –,em experiências e trabalhos realizados sobre avaliação de impactos sociais e em levantamento e discussões com grupos de atores envolvidos nos dois programas tecnológicos estudados e que se envolveram com a pesquisa.

Grande parte desses estudos sobre essa temática tratam da: (i) relação ampla entre o nível de desenvolvimento científico e tecnológico de um país e seu nível de desenvolvimento social; (ii) correlação entre a oferta científica e tecnológica e a resolução de problemas sociais específicos; e (iii) utilização do conhecimento técnico-científico na promoção do fortalecimento (empowerment) da sociedade quando da sua participação e influência em decisões de cunho social e político (Fernández Polcuch, 1999; Itzcovitz et al., 1998; Estebanez, 1998). Ou seja, abrangem elementos de difícil mensuração.

No entanto, alguns trabalhos têm avançado na discussão sobre impactos sociais da P&D incorporando alguns elementos vinculados mais diretamente a programas e atividades de pesquisa. Vilela (1994) e Vilela et al. (1998) propõem, por exemplo, a incorporação de indicadores de qualidade de vida, além dos tradicionais indicadores macro-sociais como distribuição de renda e emprego ou taxas de crescimento econômico. Admite-se, pois, a ótica do bem-estar social a partir da variação das condições materiais de existência (condições de trabalho, saúde, habitação, situação educacional, diversão, lazer e repouso), das relações sociais (papéis sociais, conflitos e acomodações) e da percepção dos indivíduos em relação a esses temas gerais.

Outros trabalhos de avaliação de impactos sociais das tecnologias agropecuárias realizados pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) entre 2000 e 2003 são outro exemplo interessante. São baseados na idéia de uma “cadeia de impactos sociais”, ou seja, a partir da construção de cadeias produtivas identificam-se os atores sociais envolvidos no processo produtivo (e diríamos inovativo), o modo como a introdução de uma tecnologia modifica o desempenho de seus papéis e os efeitos dessas modificações sobre os grupos adjacentes (principalmente os que se beneficiam dos impactos, os que são prejudicados, e outros grupos que tenham seu comportamento modificado em virtude desses impactos). Propõe-se que “[...] o modo de identificar os impactos sociais de produtos da pesquisa agropecuária em seu amplo senso, [...], seja a identificação do impacto que a tecnologia provoca no primeiro elo em que incide sobre a cadeia de produção, a resultante da interferência no processo produtivo e os resultados que tal interferência desencadeia sobre os aspectos mais próximos da trama social” (Quirino e Macêdo, 2001:24). Os principais aspectos sobre os quais estiveram centrados os esforços de avaliação de impactos de impactos sociais da pesquisa agropecuária da Embrapa nos últimos anos, a partir dessa abordagem, foram condições de emprego, saúde e nutrição ao longo da cadeia alimentar e educação da população rural 5 (Quirino e Macêdo, 2001).

Esses aspectos guardam alguma relação com aqueles definidos no âmbito do projeto apresentado no presente artigo para mensurar os impactos sociais decorrentes da introdução das novas tecnologias resultantes dos programas tecnológicos estudados. Procurou-se, portanto, contemplar, além de condições de emprego, outros aspectos relativos à qualidade de vida, qualificação da mão de obra e condições de trabalho, sob a perspectiva do bem-estar dos trabalhadores. Descreve-se, a seguir, cada um deles.

Por qualidade de vida entendem-se as mudanças gerais no cotidiano dos trabalhadores, não necessariamente relacionadas com seu ambiente de trabalho. Trata-se de um aspecto que está vinculado aos valores culturais de determinados grupos sociais, ou seja, ele não se manifesta igualmente em diferentes regiões e contextos. O componente foi definido com base na caracterização de três elementos principais. O primeiro refere-se ao lazer e cultura dos trabalhadores e objetiva captar se houve mudança quanto ao acesso dos trabalhadores a espaços públicos e atividades culturais (cinema, teatros, bibliotecas etc.). O segundo refere-se à cidadania e visa captar alterações na inserção dos trabalhadores na sociedade, via participação destes em organizações coletivas (cooperativas e associações) e políticas (sindicatos e partidos políticos) e também pelo seu conhecimento sobre a legislação trabalhista. O último refere-se à saúde ambiental, ou seja, às condições de saneamento básico (água potável, água encanada, rede de esgoto) e de saúde dos trabalhadores (nutrição, doenças parasitológicas, atendimentos na rede pública, expectativa de vida, taxa de mortalidade infantil).

A categoria capacitação do trabalhador considera as transformações no nível educacional formal e não formal. No primeiro caso, avalia se houve transformações no nível de escolaridade dos trabalhadores, associadas a iniciativas da empresa, tais como flexibilização no horário de trabalho, cursos supletivos, transportes, acordos com prefeituras, entre outros (ensino formal). Essa capacitação não é unicamente decorrente desses estímulos por parte das empresas, mas também de exigências quando da contratação de funcionários e do próprio contexto político e social da região. No segundo caso, avaliam-se as transformações nos treinamentos profissionais oferecidos pelas empresas, sejam eles relativos a aspectos técnicos do serviço requerido ou a outros aspectos gerais, como segurança do trabalho e práticas preventivas.

A categoria condições de trabalho refere-se às alterações no ambiente de trabalho e é composta por três aspectos centrais. O primeiro é referente às práticas preventivas adotadas pela empresa, configurando o contexto de segurança do trabalho para o funcionário. O segundo é referente às doenças ocupacionais e, nesse caso, observa-se tanto o número de trabalhadores afetados por determinadas doenças mais comuns, como também o surgimento de novas doenças ocupacionais. O terceiro aspecto é o de risco para os trabalhadores e está associado à insalubridade (riscos de doenças associadas às condições de trabalho, tais como temperaturas altas, emissão de produtos tóxicos e emissão de fumaça) e à periculosidade (riscos de acidentes associados às condições de trabalho, tais como presença de animais peçonhentos e uso de ferramentas e equipamentos perigosos).

Em condições de emprego, avalia-se como se transformam as relações de emprego no contexto estudado. O componente postos de trabalho avalia a alteração no número de empregos, sejam eles empregos agrícolas (empregos gerados ou perdidos diretamente na empresa avaliada), sejam serviços rurais não agrícolas (postos de trabalho gerados indiretamente na área rural, em conseqüência das transformações do caso estudado). Tipo de vínculo avalia como se estabelecem as relações de emprego, ou seja, como varia a relação entre trabalhadores fixos e temporários. Novamente inclui-se o componente ensino formal, já que ao avaliar a escolaridade dos trabalhadores, avalia-se indiretamente as exigências em relação à qualificação dos mesmos e, portanto, as exigências de determinado tipo de emprego. O componente renda aponta para a remuneração dos trabalhadores, tanto em termos de salário como em termos de benefícios. A sazonalidade mede a alteração no número de meses de trabalho por ano, enquanto a rotatividade avalia o turn over da empresa, ou seja, qual a porcentagem de trabalhadores demitidos sobre o número de trabalhadores formais.

Para uma melhor compreensão da forma como esses componentes se organizam, apresenta-se na Figura 1 a estrutura de impactos sociais:

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